Angola: Ameaça de greve geral no setor petrolífero
Borralho Ndomba
27 de novembro de 2020
Desde o início da epidemia da Covid-19 em março deste ano, as indústrias petrolíferas em Angola já despediram mais de cinco mil trabalhadores. Em contravenção aberta da lei.
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Desde que Angola mergulhou na crise financeira e cambial em 2014, a situação social dos trabalhadores das empresas do ramo petrolífero piora exponencialmente.
O Sindicato das Indústrias Petro-Químicas e Metalúrgica de Angola (SIPEQMA) acusa as empresas de despedimentos injustos e de se furtarem a pagar os salários devidos. Os salários base no setor, indexados ao dólar norte-americano, não têm vindo a ser ajustados à taxa de câmbio.
Os funcionários, que alegam estar a perder poder de compra significativo todos os meses, há anos que tentam pressionar o patronato através de diálogos e greves. Várias empresas passaram a despedir os reivindicadores, incluindo membros da comissão sindical.
Greve geral sem alternativa
O SIPEQMA condena os despedimentos e considera que as companhias estão a violar lei. Por isso ameaça promover uma greve geral nos próximos dias em todo o país.
O secretário-geral do SIPEQMA, Luís Manuel, diz que os funcionários não têm alternativa. "As empresas, no aproveitamento desleal, estão a despedir o pessoal nesta fase da pandemia. O trabalhador vai querer refutar este despedimento ilegal reivindicando e a reivindicação desemboca em greve.”
O responsável reconhece o risco dos trabalhadores em greve serem acusados de desrespeitar a biosegurança e o distanciamento social. "Mas o Estado está a permitir os despedimentos. Algumas dessas empresas, como a Halliburton e a Schlumberger, suspenderam as negociações por causa da pandemia. Mas enquanto isso, a Halliburton despediu mais de 500 trabalhadores, todos os representantes da comissão sindical”, disse Luís Manuel.
Segundo o sindicalista, as suas empresas despediram trabalhadores sem terem cumprido com as suas obrigações, o de pagar subsídios de acordo com a taxa de câmbio.
Dez empresas no setor afetadas
"São das priores empresas prevaricadoras quanto ao cumprimento da lei cambial. Só estas duas já despediram mais mil trabalhadores. Foram para casa sem ser visto a sua situação regularizada quanto ao reajuste cambial”, disse, acrescentando que mesmo os trabalhadores indemnizados não foram ressarcidos de acordo com a orientação do Banco Nacional de Angola. Ao todo encontram-se nesta situação os trabalhadores de dez empresas do setor.
De 1975 a junho 2013, o salário dos trabalhadores das indústrias petrolíferas eram pagos em dólares. Com a entrada em vigor, em 2013 da "Lei sobre o Regime Cambial Aplicável ao setor Petrolífero", surgiu a proibição do pagamento do salário em moeda americana. As empresas passaram a pagar os ordenados na moeda nacional, o kwanza, mas respeitando a taxa de câmbio divulgada mensalmente pelo BNA.
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Trabalhadores prejudicados
Luís Manuel explica que os trabalhadores que em 2013 ganhavam um salário mensal de 1.200 dólares, hoje estão receber 350.000 kwanzas, quando teriam de receber, ao câmbio atual, mais de 800 mil kwanzas.
Para o sindicalista não há razão para as petrolíferas continuarem a pagar desta forma os trabalhadores angolanos, quando os expatriados recebem o valor no câmbio atual: "Taxa cambial não tem nada a ver com a crise. Devo aqui enfatizar que o trabalhador não está a exigir um aumento que pode vir a pesar nos cofres da empresa. É o mesmo valor que ganhava em 2013, mas deve ser convertido”.
A DW África tentou, sem sucesso, ouvir as empresas em questão.
O jurista Zacarias Jeremias concorda com os sindicatos que o despedimento dos trabalhadores nesta altura é ilegal. “Não podem ser despedidos nesta fase por conta da pandemia. As empresas têm números reduzidos de trabalhadores, mas não há uma recomendação que as empresas devem mandar para casa os trabalhadores. Antes pelo contrário, o Estado protege o direito ao trabalho. O objetivo do Governo do Presidente João Lourenço é absorver mais trabalhadores nas empresas”, frisou o também advogado.
Má-fé de empresários que estão na Sonangol
Segundo Zacarias Jeremias, para além da violação da lei Lei sobre o Regime Cambial, as petrolíferas não cumprem o Decreto Presidencial 31/17 de 22 de fevereiro, que estabelece o regime jurídico de cedência temporária de trabalhadores das empresas petrolíferas para a estatal, depois de dois anos de contrato.
O jurista afirma que isso se deve à má-fé de alguns dirigentes da Sonangol, que são os supostos proprietários das empresas que prestam serviços à petrolífera do Estado. “No nosso entender existe um grupo de pessoas dentro da empresa Sonangol que tem estado a criar estas situações, no sentido de lucrarem ilicitamente com esforços de outras pessoas. Preferem manter o irmão angolano com salários bastante baixos para que eles possam beneficiar”.
Jeremias adianta ainda que os funcionários podem realizar uma greve sem fazerem o ajuntamento proibido no Decreto Presidencial sobre o Estado de Calamidade.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".