Angola: Ana Gomes questiona nacionalidade de Manuel Vicente
Lusa
11 de novembro de 2018
Em Luanda, a eurodeputada disse ainda que Portugal deve "colaborar com Angola" na recuperação dos ativos financeiros angolanos na banca portuguesa.
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Em declarações à agência Lusa, em Luanda, onde participou na 3.ª Conferência sobre Transparência, Corrupção, Boa Governação e Cidadania em Angola, a eurodeputada Ana Gomes insistiu na ideia de que o antigo vice-presidente angolano Manuel Vicente tem nacionalidade portuguesa. E a verificar-se tal situação, este facto "violou" a Constituição angolana, designadamente nas exigências que faz relativamente a quem pode tornar-se Presidente ou vice-Presidente da República.
"Não sei se Manuel Vicente é um deles [dos a quem foi atribuída nacionalidade portuguesa através dos 'Vistos Gold']. O que sei é que Manuel Vicente tem aparentemente a nacionalidade portuguesa, tal como tem a angolana, o que contraria a Constituição angolana, designadamente nas exigências que faz relativamente a quem é PR ou vice-PR, no caso de Manuel Vicente (que deixou de ser vice-presidente em 2017)", disse.
Ana Gomes lembra que a nacionalidade de Manuel Vicente foi invocada pelo seu advogado numa peça processual apresentada em Lisboa. "As estatísticas do SEF [Serviços de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal] dizem que há angolanos entre os beneficiários dos 'Vistos Gold'. Como é que [Manuel Vicente] adquiriu a cidadania portuguesa não sei. Eu sei é que isso foi invocado pelo seu advogado numa peça processual que apresentou em Lisboa, quando o processo ainda estava aberto", sublinhou.
A eurodeputada afirmou ainda que já questionou por duas vezes, ao atual e anterior Governo português, a nacionalidade de Manuel Vicente. No registo central, foi-lhe dito que "não há registo de Manuel Vicente", no entanto, acrescenta, "não tenho a informação se, por via dos 'Vistos Gold', não tenha adquirido a nacionalidade portuguesa. É um aspeto que gostaria de esclarecer".
Recuperação de ativos
Na mesma ocasião, Ana Gomes afirmou que Portugal deve "colaborar com Angola" na recuperação dos ativos financeiros angolanos na banca portuguesa". Portugal, acrescentou a eurodeputada, tem tido um comportamento "perfunctório" em "muitas das chamadas entidades obrigadas" em Portugal, incluindo, exemplificou, sociedades de advogados, "que são intermediárias nos negócios e investimentos de angolanos com dinheiro roubado ao Estado angolano", mas também contabilistas ou entidades de supervisão financeira.
"Como é possível que vários bancos em Portugal sejam instrumentos de pessoas politicamente expostas angolanas, com dinheiro obviamente desviado de forma abusiva e possivelmente criminal de Angola para ser investido em Portugal e que as autoridades portuguesas nada digam e deixem correr o marfim?", questionou.
Em causa está a Lei de Repatriamento de Capitais angolana, publicada a 26 de junho deste ano, que definiu que os cidadãos e empresas angolanas têm até 26 de dezembro (180 dias) para repatriar voluntariamente os recursos financeiros ilicitamente retirados de Angola.
"Lei da Ficha Limpa”
No final da 3.ª Conferência sobre Transparência, Corrupção, Boa Governação e Cidadania em Angola, a organização não governamental Associação Justiça, Paz e Democracia (APJD) pediu a aprovação "urgente" de um Plano Nacional de Combate à Corrupção e Impunidade, que deve contar com o apoio de todos os agentes da sociedade.
Este plano, refere-se nas conclusões finais do encontro, deve definir os princípios estruturantes a ser seguidos, objetivos concretos, metas a alcançar e com regras estruturais e transversais a todo o setor público, sociedade civil e cidadãos, pedindo-se sobretudo aos partidos político uma "mudança de mentalidade" para uma "cultura ética e anticorrupção".
A associação pede ainda a discussão e aprovação da "Lei da Ficha Limpa", que reforce a ética e os impedimentos de candidatos a cargos eletivos no Estado. Pede também à Procuradoria-Geral da República angolana para que, no quadro das suas competências, investigue "todas as denúncias de corrupção que sejam fundadas", com "independência e imparcialidade" e "sem atender a critérios de seletividade política".
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".