Angola: Ativistas condenados, sem dinheiro para pagar multa
Manuel Luamba
10 de agosto de 2020
Na província do Bengo, após protesto contra a falta de água, quatro ativistas foram condenados por desobediência às autoridades. Agora, não têm dinheiro para pagar a pena convertida em multa e aguardam por ajuda.
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Tudo começou quando os ativistas tentaram realizar um conjunto de protestos contra a falta de água na província do Bengo, vizinha de Luanda, a capital angolana, na última quarta-feira (05.08).
Em entrevista à DW África, Jaime Domingos, um dos jovens, relata que no tribunal do Dande, onde foram julgados, "não havia água potável durante esse tempo todo".
"Na esquadra ou no comando onde a gente estava detido não tinha água. Desde o momento em que a gente protestou, a água começou a jorrar", explica.
Viatura em via de extinção distribui água em Luanda
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Violência policial?
Durante os protestos houve o uso da força por parte da polícia para reprimir a manifestação. E "Jaime MC", como é conhecido nas lides musicais, foi atropelado por uma viatura policial, tendo sido levado ao hospital. Mas foi detido depois do que chama de "pequena assistência".
A polícia alega que os manifestantes recusaram-se a acatar a ordem de dispersão da manifestação que supostamente não tinha sido autorizada.
Ao todo foram quatro os ativistas acusados de desobediência: Domingos Fernando Gomes Periquito, Jaime Domingos, José Gomes Hata e António Manuel Lima.
Versões diferentes
Na quinta-feira (06.08), a juíza da causa suspendeu a sessão por alegada falta de provas. Mas o ativista, Jaime Domingos, tem uma versão diferente:
"Na sexta-feira, a partir das 12 horas, fomos julgados. A primeira sessão do julgamento terminou às 18 horas e a juíza tinha pedido trinta minutos para poder ditar a sentença. Mas só voltou às 23 horas dando sinal de que houve ordens superiores e fomos condenados a um mês de pena suspensa convertido em multa", acusa.
Multa por pagar
Agora, os ativistas não têm dinheiro para pagar a multa de 57 mil kwanzas (cerca de 85 euros). A ONG Observatório Social garantiu que vai pagar as custas judiciais, conta Jaime Domingos.
"Estamos à espera daquilo que, se calhar, pessoas de boa-fé conseguirão para ajudar a pagar (a multa)".
Apesar da repressão da manifestação e da sua condenação, o também músico de intervenção social, garante que os protestos na província do Bengo vão continuar. "O revú [revolucionário] não se rende nem se vende. A luta tem que continuar. O revú luta, vence ou morre".
Governo contra manifestações?
A ONG Friends of Angola, sedeada nos Estados Unidos da América, foi uma das vozes que condenaram a repressão. Rafael Morais é o coordenador em Angola.
"O Governo angolano é alérgico a manifestações. Existe sempre estes elementos que ele utiliza para reprimir achando que talvez as pessoas tenham medo para não protestar, para não reivindicar aqueles que são os seus direitos", interpreta.
Para a inversão do quadro, o ativista apela à instauração de processos judicias contra os agentes da polícia que violarem os direitos dos cidadãos. "É chegada a hora de a sociedade civil angolana começar a processar esses elementos que fazem parte da segurança pública sempre que agridem os cidadãos que estão legalmente protegidos pela Constituição", opina Rafael Morais.
Artivismo: a arte política de André de Castro
O papel político da arte é o mote de "Liberdade Já", a exposição do artista brasileiro André de Castro que lembra, entre outros ativistas, os presos políticos angolanos.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
"Liberdade Já" em serigrafia
A arte pode ter uma missão política - é o que prova esta exposição de André de Castro, a primeira mostra a solo do artista visual brasileiro na Europa. Este primeiro painel à entrada da exposição, em Lisboa, é um tributo aos presos políticos angolanos. O autor deu-lhe o título de "Liberdade Já", slogan que alimentou o movimento de solidariedade internacional pela libertação dos ativistas.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
Debate sobre política internacional
Tanto este projeto "Liberdade Já" (2015) como "Movimentos" (2013-2014) tiveram repercussão mundial. O artista brasileiro destaca, através das suas obras, os jovens presos políticos de Angola, libertados em 2016. As suas imagens acabam por incentivar o debate sobre acontecimentos políticos internacionais.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Os "revús" compõem o painel…
O artista compõe o painel com "monoprints" em serigrafias repetidas. Aqui podem ver-se alguns dos jovens angolanos presos em Luanda, em 2015, por discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Nuno Álvaro Dala, Nito Alves, Benedito Jeremias e Nelson Dibango, entre outros, foram julgados pelo crime de atos preparatórios para a prática de rebelião.
Foto: DW/J. Carlos
… e multiplicam-se pelo mundo digital
O luso-angolano Luaty Beirão foi escolhido como símbolo do ativismo político, dando força à exposição, com a curadoria da Muxima. Os retratos multiplicaram-se no mundo digital, foram reproduzidos em t-shirts e posters. A venda das serigrafias expostas em mostras coletivas em Lisboa e Nova Iorque, em 2016, reverteu integralmente a favor das famílias dos presos políticos angolanos.
Foto: DW/J. Carlos
Além de Angola...
Em dezembro, André de Castro comemorou com as irmãs a abertura da exposição em Lisboa, que também apresenta rostos de ativistas como José Marcos Mavungo, advogado e ativista de Cabinda. Além de Angola, o artista desafia os visitantes a revisitar o movimento da Primavera Árabe. Dá a conhecer as pessoas e as suas lutas, propondo um ângulo mais pessoal e humano na narração do momento histórico.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Arte como ator social
No interesse do público e das comunidades, o artista brasileiro assume ser um promotor social. "Ao expor 'Movimentos' e 'Liberdade Já' juntos, a mostra permite um recorte da arte como ator social, questionando intenção, receção, apropriação e estética nas ruas e na internet", afirma André de Castro. É o que mostra a coleção "Movimentos", colocada na outra parede da sala.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Coragem para mudar o mundo
Nesta segunda parede, André de Castro imortaliza várias causas em diversas partes do mundo. São mulheres e homens que recusam aceitar a forma como são tratados pelos respetivos Estados. Acreditam, tal como o autor da exposição, que o mundo pode ser muito melhor. Por isso, com coragem, decidiram sair à rua.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Identidade política dos manifestantes…
Este primeiro projeto de André de Castro, em 2013, foi selecionado para a 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e visto por mais de 40 mil visitantes, passando por Miami (2013), Nova Iorque (2014) e Brasília (2015). As serigrafias, que resultam de entrevistas realizadas através das redes sociais, retratam as identidades políticas dos manifestantes de diferentes países.
Foto: DW/J. Carlos
… e cultura das manifestações
Através das serigrafias, o artista procurou valorizar a força da ação individual dos manifestantes. Cada participante enviou uma foto de rosto, usando as redes sociais, e respondeu a uma série de perguntas sobre a sua identidade política. Assim, foram criados retratos políticos individuais que, em conjunto, formam uma mini etnografia da cultura material e imaterial das manifestações.
Foto: DW/J. Carlos
Do outro lado do mundo
Em Nova Iorque, no Zuccotti Park, a sugestão original foi ocupar Wall Street, símbolo dos capitais financeiros internacionais. Porque, afinal, foi a especulação de capitais que deu origem à crise que atormentou o mundo há anos. Questiona Daniel Aarão Reis, ao apresentar a exposição: "Como aceitar que os responsáveis não ficassem com o fardo principal das medidas de superação desta mesma crise?"
Foto: DW/J. Carlos
Novos dispositivos de mobilização
A arte política de André de Castro, que também evoca figuras como Ghandi e Martin Luther King, faz lembrar a tradição dos grandes movimentos dos anos 1960, que dispensava partidos e sindicatos. Ao invés disso, surgiram novos dispositivos de mobilização e de ação.
Foto: DW/J. Carlos
Espelho D’ Água valoriza as serigrafias
A exposição, que também será posteriormente exibida no Porto (a norte de Portugal), encontra-se no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa. A calçada deste espaço, tipicamente portuguesa, foi construída com base numa obra do autodidata artista plástico angolano, Yonamine, que tem vivido em diversos países de África, Europa e América do Sul.