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Angola aproxima-se dos EUA: "Não há almoços grátis"

14 de outubro de 2022

Analista Eugénio Costa Almeida diz que é "cada vez mais evidente" a aproximação entre Angola e os EUA, depois de Luanda votar contra a anexação de territórios ucranianos. Mas o Governo angolano não esquece Moscovo.

Presidente angolano, João Lourenço
Presidente angolano, João LourençoFoto: picture-alliance/newscom/M. Graff

Com o voto a favor de Angola, a Assembleia-Geral da ONU aprovou, na quarta-feira (13.10), uma resolução que condena a anexação de territórios ucranianos pela Rússia. No entanto, o apoio angolano não deverá afetar as relações entre Luanda e Moscovo, acredita o analista luso-angolano Eugénio Costa Almeida, sobretudo tendo em conta os "interesses económicos subjacentes".

Em entrevista à DW África, o analista e investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, chama a atenção para a aproximação cada vez maior entre o Governo de João Lourenço e os Estados Unidos, que poderá ter pesado na mudança de posição de Angola em relação ao conflito na Ucrânia.

Eugénio Costa Almeida: "Há uma aproximação cada vez maior de Angola aos EUA. Isso é indiscutível"Foto: DW/J. Carlos

DW África: Ficou surpreendido com esta posição de Angola? Ou já esperava?

Eugénio Costa Almeida (EA): Honestamente, nem sim e nem não. Se Angola votasse contra, havia o problema de como a Rússia iria reagir no lançamento do satélite [Angosat-2, colocado em órbita por um foguetão russo]. Mas a aproximação de Angola aos Estados Unidos, cada vez mais evidente, poderia levar a votar contra [a anexação].

Por outro lado, houve conversas telefónicas entre Volodymyr Zelensky e João Lourenço. Recentemente, Zelensky felicitou inclusive João Lourenço pela vitória nas eleições gerais e também pela posição de Angola em certas situações.

DW África: No discurso de tomada de posse, em setembro, o Presidente angolano também já tinha dito que Moscovo devia pôr fim à guerra. Acha que terá havido alguma pressão dos Estados Unidos nesta mudança de Angola em relação à guerra na Ucrânia? Que interesses é poderão estar aqui em causa, na sua opinião?

EA: O que vou dizer não é tanto como analista académico, talvez seja mais como analista político - e faço-o com algumas reservas: Costuma dizer-se que "não há almoços grátis". A rapidez com que os Estados Unidos reconheceram a eleição de João Lourenço - apesar das questões jurídicas que ainda estavam em análise, dependentes do Tribunal Constitucional - pode indiciar uma troca de apoios [entre o Presidente de Angola e a administração norte-americana].

Há uma aproximação cada vez maior de Angola e do Governo de João Lourenço aos Estados Unidos. Isso é indiscutível. Os Estados Unidos também estão interessados no fornecimento de petróleo angolano, dentro do possível, pois há cotas previstas para a China. E talvez queiram forçar uma exploração maior do gás para fornecer ao Ocidente.

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Dada esta aproximação, não me surpreende de maneira nenhuma que Angola tenha votado contra a anexação. Por outro lado, Angola preserva muito as limitações históricas das fronteiras, sejam africanas ou de outros países. É um princípio muito angolano.

DW África: Este apoio angolano poderá, de alguma forma, afetar as relações entre Luanda e Moscovo?

EA: Talvez Luanda até tenha dito a Moscovo que iria fazer isso. O Angosat-2 foi lançado na quarta-feira (12.10) com a presença de um ministro angolano e creio que com um foguetão exclusivamente para o satélite angolano. O ministro esteve primeiro em Moscovo e só depois foi para [o cosmódromo de] Baikonur, no Cazaquistão. Provavelmente, terá transmitido ao Kremlin qual seria a posição de Luanda neste pleito.

Mas creio que as relações entre Luanda e Moscovo não vão ter grandes alterações, até porque há interesses económicos subjacentes. Creio que Angola tem um acordo para a construção de uma fábrica em Luanda de material não militar russo, que ainda está em perspetiva. E [vai comprar] material militar a Moscovo.

Luanda tem neste momento uma plataforma ótima para as três superpotências [EUA, Rússia e China] poderem trabalhar face ao continente africano. Não falo em termos de espionagem, mas em termos de diplomacia, adidos comerciais e até adidos militares - será talvez a principal plataforma africana onde as três superpotências melhor se movimentam.

DW África: Tem havido algumas críticas em relação à política externa angolana. Acha que esta política externa está, de certa forma, confusa? É preciso mais clareza?

EA: A política externa angolana carece de uma melhor clarificação em certos aspetos, mas é natural que ainda possa ser um pouco nebulosa tendo em conta que o Governo só tomou posse há cerca de um mês e que o Presidente João Lourenço esteve fora do país durante algum tempo e continua a nomear algumas pessoas para os seus gabinetes.

Esta posição de Luanda [condenando a anexação de territórios ucranianos] veio clarificar algumas coisas. Pode ser já o primeiro passo de uma clarificação do Ministério da Relações Exteriores. O Governo deve, nos próximos dias, ter uma tomada de posição mais clara e definir claramente quais são as suas linhas de força ao nível da política externa.

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