Seis angolanos foram acusados pela Procuradoria-Geral da República do crime de terrorismo e de ligação ao Estado Islâmico. Cinco suspeitos estão em prisão preventiva.
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O Ministério Público de Angola acusou formalmente os seis jovens de organização terrorista. Alega que os arguidos criaram, em 2015, o grupo radical "Street Da Was" e que juraram "fidelidade e obediência" ao Estado Islâmico.
As acusações "são infundadas", responde o advogado de defesa dos suspeitos. Sebastião Assureira afirma que os acusados nunca juraram fidelidade ao grupo extremista. E que os arguidos, com idades entre os 23 e os 39 anos, apenas debateram nas redes sociais um artigo sobre religião muçulmana publicado por um brasileiro. No processo está igualmente envolvida uma cidadã, esposa de um dos arguidos, por ceder a casa onde se realizavam os debates.
"Emitiu-se um mandado de captura contra os réus, por fazerem um debate no Facebook e interagirem com um brasileiro. Por vezes, eles os cinco, reuniam-se na casa de uma das esposas, também arrolada como réu, para debater a situação de unir o Islão", explica o advogado de defesa, Sebastião Assureira.
Não é a primeira vez que cidadãos são detidos em Angola por causa de debates. Em 2015, 15 cidadãos foram presos por causa do livro "Ferramentas para Destruir um Ditador e Evitar uma Nova Ditadura", uma adaptação da obra do norte-americano Gene Sharp - caso que ficou conhecido como "processo dos 15+2".
Salvador Assurreira lembra também o caso dos 37 antigos militares acusados de alegada tentativa de golpe e atentado contra o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos. Oito dos acusados viriam a ser condenados a penas que vão dos quatro aos de anos de prisão por associação de malfeitores, posse ilegal de armas, atentado e coação contra o Presidente da República.
Comparando estes casos à recente acusação dos jovens, o advogado Sebastião Assureira afirma: "É mais um caso que se assemelha com o processo dos 15+2 e dos 37 cidadãos. É mais um processo político".
Manobra de distração eleitoral?
As acusações surgem numa altura em que Angola se prepara para as eleições gerais de 23 de agosto. Muitas questões têm sido levantadas sobre a transparência do processo. Questionado sobre se este caso visa distrair a sociedade, o advogado foi peremptório: "É bem possível. É bem possível".
08.06.17 Angola Estado Islâmico - MP3-Mono
Por outro lado, o advogado diz não ter dúvidas sobre o julgamento de outros seis cidadãos, que arrancou esta quinta-feira (08.06), no Tribunal Provincial da Luanda Norte. Os membros do Protetorado da Luanda Tchokwe são acusados de motins e de homicídio, alegadamente cometidos quando realizavam uma manifestação no início do ano.
Sebastião Assurreira é da opinião também que "este processo do protetorado Lunda é político". O advogado, que se encontra na região diamantífera das Lundas para defender os ativistas considera que o caso "é uma maneira de desencorajar as pessoas a não reclamar os seus direitos de autodeterminação e da autonomia da Lunda Tchokwe".
A DW África tentou ouvir a Procuradoria-Geral da República angolana sobre os dois processos, sem sucesso.
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.