Acólitos de José Eduardo dos Santos dão sinais de medo. Mas isso não lhes retira o conforto e nem o poder. Boicotar o país é uma decisão que também está nas mãos deles. Analista acha que estão a jogar com João Lourenço.
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O recente pronunciamento do ex-Presidente de Angola, sobre os 15 mil milhões de dólares que terá deixado nos cofres do país aquando da sua saída, aconteceu num momento singular: o atual Presidente João Lourenço estava de visita a Portugal, onde provavelmente obteria um sinal positivo de Lisboa para a colaboração no repatriamento de capitais angolanos.
Também o prazo para o fim do repatriamento pacífico de capitais está a chegar ao fim em Angola, termina a 22 de dezembro de 2018, e foi aprovada a Lei de Repatriamento Coercivo de capitais. Para além de que José Eduardo dos Santos, visivelmente debilitado, estava acompanhado de poderosos generais da sua confiança durante a conferência de imprensa.
Estarão José Eduardos dos Santos (JES) e os seus generais mais próximos a sentir-se acuados? O analista angolano Agostinho Sikato não tem dúvidas: "De facto sim, estão a sentir-se [acuados]. E esta é uma resposta direta que dão ao Presidente João Lourenço de que o futuro não se apresenta tão seguro assim."
O que significa a abertura de Portugal para JES e seus próximos?
No concernente a visita a Portugal, que simbolizou o degelo nas relações entre Luanda e Lisboa, o analista angolano David Kissadila lembra que o país foi a porta de entrada dos capitais ilícitos angolanos para o mundo globalizado.
Para kissadila as intenções de José Eduardo dos Santos e dos seus acólitos são "justamente para inviabilizar as intenções do Presidente João Lourenço. Há dez anos que Angola e Portugal tinham um relacionamento azedo e João Lourenço coloca ponto final a isso para encontrar os apoios necessários que lhe possam abrir os caminhos para resgatar os dinheiros."
Visados passarão por cima da Lei de Repatriamento Coercivo de capitais?
No que se refere ao repatriamento de capitais Agostinho Sikato lembra entretanto que nenhum deles o fez até agora e não acredita que o farão com o vigoramento da Lei de Repatriamento Coercivo de Capitais.
Para o analista político a lei ora aprovada não passa de letra morta, para além de que, na sua opinião, não há em Angola moral por parte dos procuradores e juízes para fazerem justiça.
Angola: "O futuro não se apresenta tão seguro assim"
E Sikatu acrescenta que os visados estarão relativamente relaxados, pois do ponto de vista do direito internacional haverá mais complexidade em repatriar o dinheiro: "Acho que este grupo está a jogar com as decisões do João Lourenço. O que vai haver depois? Se João Lourenço apertar um pouco mais o cinto significa que terá de perseguir um por um, mandar para a cadeia um por um, e isso resultará em eleições antecipadas."
E o analista acredita que "é uma vingança total que estão a fazer com João Lourenço, que é desproporcional, para alguém, por exemplo, que declarou combater a corrupção exatamente para o bem do Estado. João Lourenço está a ser desafiado por todos."
Há condições para um golpe em Angola?
2019 poderá ser um ano de surpresas, pois uma crise política sem precedentes pode estar já a ser incubada. O facto de José Eduardo dos Santos ter dado a conferência de imprensa ladeado de generais influentes, com posturas de estadista segundo Sikato, e na ausência do Presidente da República também é mal interpretado.
Há condições para que um golpe de Estado aconteça em Angola? Agostinho Sikato defende que "do ponto de vista da análise estratégica nenhuma hipótese é afastada. Mas do ponto de vista real neste momento ainda, na escala de um a dez, poderíamos colocar apenas a três. Mas neste momento não há condições para um possível golpe de Estado.
E numa escala de um a dez qual é o apoio que João Lourenço tem da ala castrense?O analista responde: "A ala castrense também esta dividia ao meio: os que se beneficiaram de forma direta, é o grupo que detém o poder, uma minoria, e os que não se beneficiaram, que são a maioria, De um a dez João Lourenço deve beneficiar-se pelo menos com uma margem de oito."
Risco de desestabilização
Apesar de minimizar as chances de uma golpe de Estado, Sikato sublinha o poder que os acólitos de José Eduardo dos Santos têm: o económico. O analista não descarta cenários maus caso eles saiam prejudicados nesta guerra.
"O temor de muita gente é de uma possível ou criação de algum caos social ou político, porque se este grupo decidir fechar as empresas que têm vão criar um caos social. Significa que teremos muita gente fora do trabalho. Se este grupo se sentir encurralado, por exemplo, é capaz de pagar alguns fanáticos e pobres para criar instabilidade", acredita Sikato.
Mas o analista David Kissadila acredita que se fará sentir a mão pesada de João Lourenço. O Presidente poderá usar todos os instrumentos ao seu dispor para travar o grupo. E frisa:"Acho que a guerra está mesmo aberta que não haverá nenhum recuo. Basta ver os pronunciamentos do Presidente João Lourenço, como por exemplo dos marimbondos."
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.