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Angola: CNE quer limitar o movimento dos cidadãos nas urnas

António Cascais
12 de agosto de 2022

Em entrevista à DW África, o jurista Serra Bango disse que a CNE não tem competências para impor essa limitação porque “em Angola não há qualquer lei que limite a circulação dos cidadãos”.

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Foto: Getty Images/AFP/M. Longari

O presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), Manuel Pereira da Silva, apelou, esta terça-feira (12.08) aos magistrados e à polícia de Angola no sentido de impedirem a eventual concentração de cidadãos junto às assembleias de voto depois de terem votado, para fazer "cumprir a lei".

A organização da sociedade civil angolana Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) acusa a CNE de "confundir a letra e o espírito da lei", ao tentar impedir que os cidadãos permaneçam junto às assembleias de voto nas eleições de dia 24.

Numa nota pública relativa ao "direito de o eleitor permanecer a poucas centenas de metros da assembleia de voto", a AJPD acusa a CNE de "violar" o princípio da boa-fé a mando do partido no poder.

O jurista Serra Bango, presidente da AJPD, disse à DW África que a CNE “não tem competências para limitar os direitos fundamentais”.

DW África: Será que a CNE tem razão ao querer impedir ou limitar a presença de eleitores nas assembleias de voto ou nas imediações das assembleias de voto, depois de terem votado? Há uma lei que impeça os cidadãos de acederem às assembleias de voto?

Serra Bango (SB): Não há em Angola qualquer lei que limite o movimento e a circulação dos cidadãos. Não há qualquer lei que impeça o cidadão eleitor de obter a informação dos resultados dos votos que foram obtidos em qualquer assembleia, onde ele estiver ou onde lhe interessar. Portanto, o contato com a ata síntese permite que os cidadãos saibam como estão distribuídos os votos na circunscrição eleitoral, e também permite aos cidadãos fotografarem, inclusive a ata síntese. Este processo é que permite que a sociedade consiga fazer uma monitoria do processo eleitoral.

DW África: Mas a lei estabelece também alguns critérios, algumas limitações para cidadãos que não se comportem devidamente?

SB: A lei estabelece apenas três critérios: o cidadão não pode ir à assembleia embriagado, não pode estar na posse de arma e não pode perturbar a ordem pública e tranquilidade, quer da assembleia, quer da via pública. Não estando nessas condições, o cidadão pode colocar-se no raio de distância que entender, próximo da assembleia de voto, desde que não perturbe a sua ordem.

Serra Bango, presidente da Associação Justiça, Paz e DemocraciaFoto: Serra Bango

DW África: Porque é que acha que CNE quer impor estas limitações?

SB: O que se está a passar é que o Concelho Nacional Eleitoral, usurpando as suas competências, porque não tem competências para limitar os direitos fundamentais, terá recorrido à polícia nacional e à Procuradoria Geral da República, no sentido de criarem condições para limitar o acesso, o movimento dos cidadãos, no dia da votação. Inclusive, sugerem que depois da votação ninguém circule. Isto é um absurdo de todo o tamanho.

 DW África: Mas porque é que essa polémica surge agora?

SB: Porque se criaram dois movimentos agora em Angola, um da sociedade civil, de cidadãos que pretendem participar de forma ativa. Já têm participado de forma ativa nesses processos, no sentido de monitorar a organização do próprio processo. Há várias iniciativas e uma delas  chama-se 'Votou, Sentou', e foi criada porque os cidadãos querem perceber como é que na sua assembleia foram distribuídos os votos no final da contagem. No fim do dia, deverão ser afixadas as atas síntese de cada assembleia, isso está estabelecido por lei. Ora, sendo afixada este ata síntese, os cidadãos poderão controlar em cada assembleia como foram distribuídos os votos. No entanto, ocorre que o regime, neste caso o próprio MPLA,não tem interesse algum que os cidadãos façam esse controlo, porque isso é uma forma de evitar que muitas irregularidades ocorram no processo da contabilização dos votos, do escrutínio. E, portanto, para impedir que os cidadãos tenham em posse esse conhecimento, a polícia nacional, a pedido da CNE, provávelmente sob instrução do partido no poder, está a criar condições para limitar o movimento dos cidadãos.

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