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Angola: Comer frutos silvestres para não morrer de fome

Adolfo Guerra (Menongue)
14 de dezembro de 2021

No Cuando Cubango, mais de 150 pessoas enfrentam jacarés para alimentar-se de frutos silvestres impróprios até para o consumo dos animais. Enquanto isso, João Lourenço diz que "fome é relativa" e gera indignação.

Sementes de Tcheketcheke, visíveis na imagem, são duras e causam problemas de saúde, mas são dos poucos alimentos disponíveis à comunidade Khoisan
Foto: Adolfo Guerra/DW

Na província do Cuando Cubango, em Angola, a situação de fome é cada vez mais extrema. Para tentar comer e evitar a morte, as famílias da minoria étnica Khoisan, na localidade de Mbundo, a quase 90 quilómetros de Menongue, recorrem a frutos silvestres. 

"Estamos a sofrer com a fome. A alimentação está a fazer-nos mal à barriga", afirma Ezequiel Ngondo, de 20 anos, em entrevista à DW África.

Muitas vezes, esta escolha acaba por provocar problemas de saúde. "Mesmo que comamos, não ficamos satisfeitos, mas se fizermos todas as refeições durante o dia, ficamos com dores de barriga e diarreia", explica. 

Mulher usa o fruto Tcheketcheke para se alimentar devido à escassez de comida. Este tipo de alimentação acaba por provocar dores de barriga e diarreia, pelo que não é adequada para pessoas. Autoridades dizem que nem os animais comem os frutos.Foto: Adolfo Guerra/DW

Na tentativa de encontrar frutos como vimbungo, meto e tcheketcheke, a comunidade corre o risco de ser atacada por jacarés, enquanto atravessam o rio naquela zona. 

"A alimentação que consumimos está na mata e agora tem jacarés. Não temos como atravessar para a outra margem, o rio está cheio", conta Ngondo.

"Fome é relativa", diz João Lourenço

No último sábado (11.12), no encerramento do VIII Congresso do MPLA em Luanda, João Lourenço, reeleito presidente dos "camaradas", disse que a fome é "relativa", considerando esta uma situação de aproveitamento político dos seus adversários. 

"Talvez por conveniência própria, por conveniência política, nos convenha repetir incessantemente a palavra 'fome'", afirmou o líder do MPLA.

"O país tem muita produção de bens alimentares. Eu diria que o grande problema de Angola, se quisermos ser mais precisos, é o pouco poder de compra dos nossos cidadãos", acrescentou. 

ONG MBATIKA dá enchadas e catanas ao povo do Cuando Cubango, que tem dificuldade em encontrar alimentosFoto: Adolfo Guerra/DW

"Desrespeito à vida"

Pascoal Baptistiny, diretor-geral da organização não-governamental MBAKITA, trabalha com as comunidades mais carenciadas, vivendo perto do sofrimento e chegando mesmo a testemunhar mortes de cidadãos por causa da fome.

O Presidente da República "não está interessado em resolver os problemas do povo. Podíamos até inverter o slogan: 'o mais importante é matar o povo'… Dizer que em Angola não existe fome, sinceramente", indigna-se Baptistiny. 

Para o representante da ONG, as afirmações de João Lourenço são um desrespeito à vida e ao sofrimento humano.

"Se até a comunidade internacional se compadece com o angolano, como é que se pronuncia publicamente daquela maneira? Significa que não conhece o país que está a governar", conclui.

O ativista pelos direitos humanos afirma que os frutos ingeridos no desespero para matar a fome são impróprios para o consumo humano, colocando em risco a vida da comunidade local. "As pessoas a alimentarem-se de frutos silvestres que nem servem para os animais selvagens... Aquilo é triste", termina.

Combater a fome e gerar rendimentos com a aquicultura

03:09

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