Questão levantada por Paulo Inglês face à nova era governativa com exonerações feitas pelo novo Presidente. Mas o sociólogo angolano não está certo de que se trata de uma fase de confronto entre anterior e o novo poder.
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Nesta fase de mudanças políticas que se vive em Angola são claramente visíveis dois lados antagónicos dentro do partido no poder, o MPLA. Um de apoio ao novo Presidente do país, João Lourenço, e outro de contestação, questionamentos as novas exonerações, incluindo das filhas do ex-Presidente do país, José Eduardo dos Santos. Conversamos sobre o assunto com o sociólogo angolano Paulo Inglês, aqui na Alemanha.
Paulo Inglês (PI): Não sei se diria populista, mas posso dizer que são muito populares porque estas medidas estão a ter uma grande recepção por parte da população, sobretudo aquela que estava um pouco zangada com o protagonismo e presença muito relevante da família do ex-Presidente. Por isso essa medida de certa maneira trouxe alguma satisfação e por isso podemos dizer que são populares. Para dizer se são populistas acho que precisaríamos de mais tempo.
DW África: As filhas do ex-Presidente José Eduardo dos Santos têm reagido com alguma revolta e inconformismo a decisão de exoneração. Ao que tudo indica não querem aceitar de maneira pacífica as medidas do novo Presidente. Acha normal as reações?
PI: É difícil responder porque é tudo novo, acontece tudo pela primeira vez. É a primeira vez que um Presidente deixa a Presidência livremente depois de 37 anos, é a primeira vez que temos filhas de Presidente em setores chave da economia e é a primeira vez que também o pai não está na Presidência e é por isso que não temos categorias para analisar. Agora, eu acho que o Presidente tem esse poder de as demitir desse serviço público e cargos de responsabilidade são, de facto, cargos políticos. No caso da Isabel dos Santos e da outra filha conhecida como Tchizé dos Santos, dona da Semba Comunicações que tinha um contrato com o canal dois da TPA (Televisão Pública de Angola) pura e simplesmente o Estado desfez-se deste contrato e tinha poderes para isso. E tecnicamente não houve nenhuma lesão dos seus direitos. Agora elas simplesmente não gostam, mas nós não temos nada a ver com isso. Elas não gostam, está tudo bem, não é mal não gostar. Até é compreensível, ninguém gosta de deixar o poder, mas o Estado não lesou os seus direitos. Acho que a discussão devia ser essa, agora se gostam ou não talvez isso já tenha a ver com meninas mimadas que ficaram sem o queijo.
DW África: A exoneração das filhas do ex-Presidente simboliza o primeiro grande confronto entre o novo e o anterior poder?
PI: Não sei se é confronto porque neste momento, pelo menos constitucionalmente só há um poder, que é o poder do novo Presidente.
DW África: Entretanto, José Eduardo dos Santos continua a ser o presidente do MPLA, o partido que está no poder e que ainda dita as regras do jogo...
PI: Pois, é uma situação complicada porque a Constituição só reconhece o Presidente da República e não reconhece o presidente do partido.
24.11.17. Angola Nova era Paulo Ingles - MP3-Mono
DW África: Mas na prática?
PI: Na prática há esta espécie de bicefalia, por um lado há o presidente do partido [e por outro o Presidente da República]. O partido sempre foi partido-Estado, de certa maneira o presidente do partido é de toda a maneira como um homem de Estado. Mas também é a primeira vez que temos essa situação em que o Presidente da República não é o presidente do partido. Acontece tudo pela primeira vez, e como todas as primeiras vezes não há elementos de comparação. Agora, o que acho importante é que não sabemos como vai ser a convivência entre essas duas figuras, entre dois poderes, o poder da Presidência da República e o presidente do partido. A questão é que a relação entre o poder jurídico, poder constitucional e o poder de facto, como eles vão conviver? E por outro lado não sabemos se isto de facto é um confronto ou se é uma etapa natural de ganhar espaço.
Mesmo sem a Sonangol, Isabel dos Santos ainda tem um império empresarial
A mulher mais rica de África, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, foi exonerada da liderança da petrolífera estatal angolana. Mas continua a ter uma grande influência económica em Angola e Portugal.
Foto: DW/P. Borralho
Bilionária angolana diz adeus à Sonangol
A 15 de novembro, Isabel dos Santos teve de renunciar à presidência do conselho de administração da Sonangol. Em meados de 2016, o seu pai, o então Presidente José Eduardo dos Santos, nomeou-a para liderar a companhia petrolífera estatal. A nomeação era ilegal aos olhos da lei angolana. O novo Presidente angolano, João Lourenço, estava, por isso, sob pressão para demitir Isabel dos Santos.
Foto: picture-alliance/dpa
Carreira brilhante à sombra do pai
Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos e da sua primeira mulher, a jogadora de xadrez russa Tatiana Kunakova, nasceu em 1973, em Baku. Durante o regime do seu pai, no poder entre 1979 e 2017, Isabel dos Santos conseguiu construir um império empresarial. Em meados de 2016, a liderança da Sonangol, a maior empresa de Angola, entrou para o seu currículo.
Foto: picture-alliance/dpa
Conversão aos princípios "dos Santos"
Isabel dos Santos converteu o grupo Sonangol, sediado em Luanda (foto), às suas ideias. Nomeou cidadãos portugueses da sua confiança para importantes cargos de gestão e foi muito criticada pela ausência de angolanos em posições-chave na empresa.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Presença firme nas telecomunicações
Mesmo após o fim da sua carreira na Sonangol, Isabel dos Santos continua forte no meio empresarial: possui 25% da UNITEL desde o seu lançamento, em 2001, a empresa tornou-se a principal fornecedora de serviços móveis e de internet em Angola. Através da UNITEL, dos Santos conseguiu estabelecer vários contactos comerciais e parcerias com outras empresas internacionais, como a Portugal Telecom.
Foto: DW/P. Borralho
Redes móveis em Portugal e Cabo Verde
Isabel dos Santos detém a participação maioritária na ZON, a terceira maior empresa de telecomunicações de Portugal, através de uma sociedade com o grupo português Sonae. Também em Cabo Verde, dos Santos - com uma fortuna estimada em 3,1 mil milhões de dólares, segundo a revista Forbes - está presente nas telecomunicações com a subsidiária UNITEL T+.
Foto: DW/J. Carlos
Expansão com a televisão por satélite
Lançada em 2010 por Isabel dos Santos, a ZAP Angola apresenta-se como o maior fornecedor de televisão por satélite no país. Desde 2011, a ZAP está presente também em Moçambique, onde conquistou uma parcela importante do setor. Em Moçambique, a empresa compete com o antigo líder de mercado, a Multichoice (DSTV), da África do Sul.
Foto: DW/P. Borralho
Bancos: o segundo pilar do império
Atrás das telecomunicações, o setor financeiro é o segundo pilar do império empresarial de Isabel dos Santos. A empresária detém o banco BIC juntamente com o grupo português Américo Amorim - o empresário português conhecido como "o rei da cortiça" que morreu em julho de 2017. É um dos maiores bancos de Angola, com cerca de 200 agências. É também o único banco angolano com agências em Portugal.
Foto: DW/P. Borralho
Com a GALP no negócio do petróleo
Também no petróleo, dos Santos fez parceria com Américo Amorim. Através da empresa Esperanza Holding B.V., sedeada em Amesterdão, a empresária angolana está envolvida na Amorim Energia que, por sua vez, é a maior acionista da petrolífera portuguesa GALP. A GALP também administra os postos de gasolina em Moçambique (na foto) e em Angola onde, curiosamente, compete com a Sonangol.
Foto: DW/B.Jequete
Supermercado em Luanda
Em 2016, abriu em Luanda o Avennida Shopping, um dos maiores centros comerciais da capital angolana. Várias empresas do império dos Santos operam neste centro comercial, como o Banco BIC, a ZAP e a UNITEL. Assim, a empresária beneficia em várias frentes do crescente mercado de bens de consumo em Luanda.
Foto: DW/P. Borralho
350 milhões de dólares em supermercados
Uma das maiores lojas do Avennida Shopping é o hipermercado Candando. É operado pelo grupo Contidis, controlado por Isabel dos Santos. Nos próximos anos, deverão ser construídos em Angola vários Candando. No total, a Contidis quer investir mais de 350 milhões de dólares nas filiais.