Angola: Conta Geral do Estado de 2017 aprovada no Parlamento
Lusa
20 de junho de 2019
O Parlamento angolano aprovou esta quinta-feira (20.06) a Conta Geral do Estado (CGE) referente a 2017. Mas, os partidos da oposição votaram contra e apontaram discrepâncias no processo.
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O documento da CGE foi aprovado com 119 votos a favor do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), e 50 contra da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), da Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), do Partido de Renovação Social (PRS) e da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA).
Na sua declaração de voto, o deputado Manuel Fernandes, da CASA-CE disse que o seu grupo parlamentar não podia votar a favor, "por se verificarem inconformidades nas demonstrações financeiras e patrimoniais nos relatórios e registos contabilísticos em algumas rubricas".
"Verifica-se uma elevada desorçamentação, isto é, avultadas receitas que não são canalizadas na Conta Única do Tesouro (CUT) e despesas não previstas no Orçamento Geral do Estado (OGE) no ano respetivo", justificou Manuel Fernandes.
Por sua vez, a representação da FNLA, na sua declaração de voto, explicou que votou contra a CGE de 2017 tendo em conta as denúncias feitas pelo Tribunal de Contas (TdC), que entregou o parecer a 21 de maio passado no Parlamento, relativamente a violações da lei cometidas por alguns órgãos gestores do erário público, com recomendações "incisivas". "Se o TdC cumpriu com o seu papel, ao denunciar estas violações, a FNLA não pode senão votar contra esta conta", disse Lucas Ngonda.
Falhas no setor social
Na mesma senda, a representação do PRS justificou o seu voto contra enumerando falhas na execução orçamental em 2017, sobretudo em setores sociais. Segundo Benedito Daniel, em 2017 houve a previsão para a construção de magistérios primários, "mas não houve execução", e na saúde, as mulheres grávidas e as crianças não receberam mosquiteiros tratados, "o que originou um aumento da mortalidade infantil".
"2017 foi considerado um ano de recessão, a execução financeira foi negativa. Entre o orçamento aprovado e a CGE há várias inconformidades. Perante esse e outros factos, o PRS não tem senão de votar contra", disse Benedito Daniel.
Durante os debates, foram várias as críticas feitas pelos deputados, tendo em conta as constatações constantes no Parecer do TdC, mas o ministro das Finanças de Angola, Archer Mangueira, disse que, "em devido tempo, serão prestados os esclarecimentos".
Entretanto, o grupo parlamentar do MPLA notou o registo paulatino de melhorias, desde 2011, na elaboração e apresentação da Conta Geral do Estado. Segundo o deputado Américo Cuononoca, não obstante as realizações feitas, observa-se que as despesas executadas em Projetos de Investimento Público (PIP) foram realizadaa com uma taxa de execução de 45%.
"Assim, embora 2017 já lá vá e estamos a meio do ano de 2019, entendemos ser necessário um exercício de vigilância sobre todo o processo de planeamento, execução e controlo dos programas de investimento públicos, procurando assegurar que os recursos para as despesas de capital estejam efetivamente assegurados", disse o deputado, acrescentando que esse tipo de investimento é que garante melhorias na área social.
Despesas
O OGE para 2017 estimou receitas e despesas de 7.3 mil milhões de kwanzas (cerca de 18.900 milhões de euros), tendo sido arrecadas receitas no valor de 6.600 mil milhões de kwanzas (17.100 milhões de euros) e realizadas despesas no valor de 6.800 mil milhões (17.620 milhões de euros), resultando num défice global de 165 mil milhões de kwanzas (cerca de 427,4 milhões de euros).
Relativamente ao balanço financeiro, teve um fluxo de receitas e despesas de igual montante no total de 24 biliões de kwanzas, que representa um incremento de 40% em relação ao exercício económico de 2016.
Contudo, houve um saldo financeiro negativo de 1.185 mil milhões de kwanzas, que resultou na variação entre a disponibilidade inicial de 3.975 mil milhões de kwanzas e a disponibilidade final de 2.789 mil milhões de kwanzas.
Parecer parlamentar
No seu Relatório Parecer, a Assembleia Nacional concluiu que o desempenho das finanças do Estado em 2017, no que concerne à administração e serviços afins, foi "aceitável", comparativamente ao orçamento aprovado para o respetivo período.
"Apesar da crise económica e financeira houve um esforço do executivo em alocar as verbas para a realização das eleições gerais de 2017", destaca na sua conclusão o Relatório Parecer Conjunto da Assembleia Nacional sobre a Conta Geral do Estado do exercício fiscal de 2017.
A 21 de maio último, o TdC angolano entregou à Assembleia Nacional o parecer da CGE de 2017 contendo 162 recomendações e fazendo uma avaliação positiva para os setores da indústria, energia e agricultura.
Na ocasião, a juíza presidente do TdC, Exalgina Gamboa, referiu que, nos termos da lei, o parecer do órgão de fiscalização das contas não é vinculativo, emitindo apenas recomendações, elaborando as constatações de algumas conclusões, sendo isso que foi feito em relação ao Plano Nacional de Desenvolvimento 2012-2017 e uma avaliação do desempenho de seis setores.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
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Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
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O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
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Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
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Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".