Angola: Críticos da UNITA sem voz na Rádio Despertar?
Borralho Ndomba
30 de março de 2021
Rádio Despertar nega acusações de censura a críticos da UNITA, mas ex-profissional da estação afirma haver interferência política na gestão editorial. Sindicato dos Jornalistas fala em "falta de cultura de denúncia".
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Relatos de bloqueios de peças jornalísticas que ferem sensibilidade ao maior partido na oposição não são de agora. Ao longo dos anos, a Rádio Despertar tem sido acusada de não dar espaço a outros partidos como sempre dá à União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).
Nos últimos dias, o debate voltou à tona com a notícia da suspensão do jornalista Agostinho Kaiola alegadamente por entrevistar o ativista Nito Alves, que fez críticas ao presidente do Galo Negro, Adalberto Costa Júnior, e à direção do partido. Kaiola não quis falar sobre a polémica à DW África.
Outro caso polémico envolvendo a Despertar tem a ver com o deputado Makuta Nkondo, do Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), e o jornalista Domingos da Cruz. Ambos terão sido afastados de um programa da emissora por mandarem "farpas" à liderança do então presidente da UNITA, Isaías Samakuva.
Estação nega acusações
Em declarações à DW, o diretor ajunto da Rádio Despertar, Queirós Anastácio Chiluvia, nega as acusações e afirma que a estação do Complexo da Sovsmo é pela pluralidade de opinião. Chiluvia diz que críticos da UNITA não são impedidos de falar na rádio.
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"Agora, talvez, alguém queira ofender, queira ferir sensibilidades fazendo o uso dos microfones da rádio. Seguramente, ninguém deixaria que os microfones fossem usados para ferir sensibilidades de terceiros. Aquele que tem ideias, embora críticas, mas que as faça nos marcos da lei, não vejo por que razão de impedir essas vozes", esclarece o diretor.
Queirós Anastácio Chiluvia ressalta que, "até ao dado momento, a Rádio Despertar já bateu à porta de quase todos os fazedores de opinião". "[Até] ontem algumas vozes pensavam que a Rádio Despertar não era órgão para eles", diz.
Ardinas angolanos criticam parcialidade na imprensa
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"Na Despertar a censura não está declarada"
No entanto, o jornalista José Magalhães, antigo profissional da Despertar, afirma existir censura naquela emissora. Magalhães diz que chegou a perder um cargo por permitir a veiculação da opinião de um entrevistado que não terá agradado à direção da rádio.
"Os seus responsáveis não dizem, de facto, o que deve e tem de ir para o ar sob pena de serem julgados pelos jornalistas. Dão a entender que há uma espécie de liberdade do ponto de vista jornalístico, mas, quando o profissional tenta fazer de facto jornalismo, lá aparece a tesoura", revela o jornalista.
Segundo José Magalhães, "na Despertar a censura não está declarada". E o jornalista continua: "Ela é escondida e é a mais perigosa, porque na maior parte das vezes resulta em processos disciplinares encomendados, porque o militante X ligou, porque o jornalista X falou".
Pandemia tornou-se justificação para atacar jornalistas
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Cultura de denúncia
Ao Sindicato dos Jornalistas Angolanos nunca foi formalizada queixa sobre a alegada interferência na gestão editorial da Rádio Despertar, diz o secretário-geral do órgão, Teixeira Cândido.
O sindicalista fala em falta de cultura de denúncia por parte dos profissionais: "Assim como não recebe dos órgãos públicos, também não há essa cultura dos colegas poderem apresentar queixas ou poderem fazer reclamações de modo formal ou informal sobre possíveis interferências na gestão editorial, ou uma possível censura. Infelizmente não temos essa cultura, as pessoas têm muita preocupação com o emprego. As pessoas preferem preservar o emprego em detrimento de denunciar a censura".
Por seu turno, o secretário-geral da UNITA, Álvaro Chikwamanga, sugere que todo aquele que achar que teve os seus direitos feridos pela Despertar deve queixar-se aos órgãos do Estado. O político nega que o seu partido interfira na gestão da rádio.
"Tal como nos queixamos quando nos sentimos prejudicados pelos órgãos de comunicação do Estado ou até órgão de comunicação social privado, quem se sentir lesado por um ato cometido por um órgão de comunicação, prove-o e faça recurso aos órgãos vocacionados para resolver os tais conflitos", afirma o dirigente da UNITA.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.