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Angola: Crise económica agrava desnutrição infantil

Marta Cardoso
16 de outubro de 2020

Estima-se que, todos os dias, 46 pessoas morrem por desnutrição em Angola. UNICEF diz que a situação das crianças piorou com a crise provocada pela pandemia da Covid-19.

Foto: CARE/Darcy Knoll

A crise económica sentida desde a queda do preço do barril do petróleo e agravada pela pandemia da Covid-19 está a acentuar o problema da desnutrição infantil em Angola.

Se antes da crise os números "não eram bons", com a crise "eles só tendem a agravar", afirma Sérgio Calundungo, coordenador do Observatório Político e Social de Angola. O economista lembra que muitas famílias deixaram de ter meios de sustento.

"Havia muitas famílias cuja produção era vendida nas principais vias de acesso e, havendo menos tráfego e circulação de pessoas, a probabilidade de vender um quilo de fruta e de vender um quilo de produtos agrícolas diminuiu bastante", analisa.

Impactos no desenvolvimento

De acordo com o último Inquérito de Indicadores Múltiplos de Saúde (IIMS), em 2016, uma em cada quatro crianças menores de cinco anos sofria de desnutrição crónica em Angola, o correspondente a 1,9 milhões de crianças. Fanceni Balde, coordenadora dos projetos de nutrição da UNICEF Angola, explica que a má alimentação pode causar distúrbios que, no limite, podem levar à morte.  

"Normalmente essa desnutrição é representada por desequilíbrios que foram acontecendo ao longo da gestação e nos primeiros cinco anos e que depois têm impactos de forma irreversível, tanto na capacidade de desenvolvimento cognitivo e de aprendizagem da criança, como também no seu próprio estado de saúde."

Uma das principais causas do problema apontadas por Balde é a falta de alimentação dos bebés com leite materno: "Temos somente 38% dos nossos bebés angolanos que são amamentados de forma exclusiva e predominantemente exclusiva até aos seis meses. Isso depois traduz-se na anemia. Temos cerca de 65% das nossas crianças com menos de cinco anos que sofrem de anemia", cita.

A dieta pobre e pouco diversificada, sem introdução de alimentos ricos em nutrientes, é outra das causas da desnutrição apontadas pela especialista da UNICEF, que diz que quase 88% das crianças entre os 6 e os 23 meses não têm acesso a dietas diversificadas.

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Pobreza é a principal causa

Artur Catihe, diretor do programa das Aldeias de Crianças SOS no Lubango, que apoia crianças desnutridas através do programa "Fortalecimento familiar", lembra que a pobreza é - "sem sombra de dúvida" - o que mais contribui para tantos casos de desnutrição em Angola.

"As famílias têm rendimentos muito baixos. Há famílias aqui que sobrevivem com um rendimento diário, em média, abaixo dos mil kwanzas [menos de 1,5 euros]. É muito baixo."

Outro dos problemas, segundo Artur Catihe, é o acesso aos serviços de saúde, o que leva muitas grávidas a ficarem em casa durante a gestação e sem acesso às instruções necessárias para uma gravidez saudável.

"Por exemplo, a sede da comuna em que estamos a trabalhar, na Quilemba, tem um posto médico, que já não tem o equipamento necessário. E algumas famílias estão localizadas a dez quilómetros. Não há transporte, têm de fazer caminhadas longas", exemplifica.

Crise económica

Fanceni Balde, da UNICEF, explica que a crise da Covid-19 piorou a situação sobretudo para as populações mais vulneráveis e para as que já tinham sofrido com o efeito da seca no ano passado.

"A UNICEF teve de reajustar as suas ações de modo a poder apoiar o Governo a responder aos efeitos diretos da Covid-19 e também para mitigar os impactos negativos da pandemia nas populações mais vulneráveis", esclarece.

A especialista de nutrição acrescenta que a UNICEF está a implementar um programa que visa também "o aconselhamento e engajamento comunitário das famílias para a utilização de alimentos localmente disponíveis para melhorar a sua qualidade alimentar e garantir que, de alguma forma, elas se tornam mais resilientes e mais resistentes às doenças e à própria pandemia."

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Apoio do Governo "irrisório"?

No entanto, o responsável das Aldeias de Crianças SOS no Lubango, Artur Catihe, considera que o esforço do Governo para apoiar as famílias mais pobres tem sido insuficiente.

"É um apoio irrisório, não foi abrangente. O Governo teve que selecionar comunidades mais severas para fazer um apoio direto, providenciar alimentos e até dar dinheiro diretamente a essas famílias para poderem fazer face à crise", conta Artur Catihe, referindo-se ao programa piloto "Kwenda", que diz ter abrangido apenas vinte dos 163 municípios de Angola.

O Governo angolano reconheceu esta sexta-feira, Dia Mundial da Alimentação, que há muitas crianças em condições de "vulnerabilidade". Face a relatos de cerca de 46 mortes por desnutrição todos os dias em Angola, o Executivo comprometeu-se a "fortalecer a produção nacional" e "gizar os programas que possam dar respostas a esses desafios que se colocam ao país".

Combater a desnutrição é um trabalho que envolve várias vertentes como a diversificação da produção agrícola e o acesso a saneamento básico e água potável, para evitar a contaminação dos alimentos.

Para o economista Sérgio Calundungo, uma das vertentes mais importantes é a educação das comunidades: "É comum ver uma mãe a vender um cacho de bananas na rua, para, com parte desse dinheiro, comprar um refrigerante em lata para dar ao seu filho", ilustra, dizendo que esse é precisamente um dos "dramas das zonas rurais".

"Muitas vezes por desconhecimento, eles fazem opções de alimentação que são menos boas para a sua saúde."

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