Angola: Crise leva jovens a caçar ratos para comer e vender
21 de agosto de 2023A fome severa em Angola, associada à pobreza extrema, está a obrigar jovens e adolescentes a caçar ratos para consumo próprio e venda. O facto está a acontecer em várias localidades do país.
Edmilson Pereira, que vive no bairro Madeira, município de Kambambe, na província do Kwanza Norte, viu nesta atividade uma oportunidade de negócio e uma forma "das crianças não se perderem no mundo da droga", diz.
"Vi que quando metia ratoeiras, nas várias matas, agarrava sempre ratos. Então chamei algumas crianças e disse: vamos para o campo colocar várias ratoeiras. Vamos vender [os ratos que caçarmos]. Mesmo se não vendermos, dão para a nossa alimentação", contou à DW.
Edmilson Pereira recrutou 32 adolescentes para caçar ratos. Fuxi Gaspar é um deles. À DW conta que, com a crise a apertar no país, caça os pequenos roedores para vender e também para comer.
"Hoje apanhei sete ratos. Devemos procurar no buraco onde eles habitam. Cavamos até nos ninhos de ratos. Às vezes corremos mesmo perigo de vida", conta.
Segundo Fuxi Gaspar, os preços variam consoante o tamanho.
"Cinco ratos pequenos são 500 kwanzas. Os ratos grandes são mais caros. Há dias que consigo 1000 ou 1500 kwanzas", explica o jovem, que acrescenta que, com o dinheiro que ganha, compra roupa e calçado.
Joaquim de Sousa, que também vive num dos bairros da periferia da velha cidade do Dondo, tem mais de cinquenta ratoeiras. À DW, diz que aprendeu a caçar ratos com os amigos e a irmã mais-velha. Sousa prefere caçar ratos com armadilhas e ratoeiras em vez de cavar buracos.
Quem são os clientes?
Elizabeth de Andrade, 38 anos de idade, é uma das várias apreciadoras de ratos. Como muitos angolanos, busca esta alternativa para alimentar a sua família. E por isso, sabe como deve confecioná-los.
"Primeiro devemos meter no fogo e raspar. Depois de lavar muito bem, devemos tirar as tripas, voltar a lavar, ferver com sal e fritar".
Elizabeth de Andrade garante que há muitos clientes para este tipo de carne. Isto porque, acrescenta, a carne é deliciosa e pode ser acompanhada com vários pratos típicos da região, como é o caso do funge ou da kikuanga.
"Políticas falharam"
Também em entrevista à DW, o sociólogo Lúcio Marques fala da realidade da fome em Angola, e em particular na província do Kwanza Norte.
"A fome é uma realidade. Antigamente dizia-se que era um problema só do sul de Angola, mas é uma realidade ao nível das províncias, é uma realidade aqui no Kwanza Norte e está visível a todos nós", lamenta.
Marques acrescenta que o facto de haver cada vez mais famílias com fome no país se fica a dever "à crise que o Estado está a atravessar, também em função das políticas públicas que tem adotado nos últimos tempos".