A Procuradoria-Geral de Angola prorrogou por mais dois meses a prisão do líder do Movimento do Protetorado Lunda Tchokwe. O advogado de José Mateus Zecamutchima reitera que a detenção é ilegal e vai contestar a decisão.
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José Mateus Zecamutchima está detido há mais de seis meses, indiciado pelos crimes de "associação de malfeitores e rebelião armada", na sequência dos incidentes de 30 de janeiro em Cafunfo, na província da Lunda Norte, que resultaram em várias mortes.
Em entrevista à DW África, o advogado Salvador Freire reitera que a detenção do dirigente do Movimento do Protetorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT) - que luta pela autonomia da região das Lundas - é ilegal e, por isso, irá impugnar o novo despacho da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola.
DW África: Foi com surpresa que receberam a nota de prorrogação da prisão de José Mateus Zecamutchima. O que alega o Ministério Público?
Salvador Freire (SF): Nós recebemos a nota do Ministério Público junto do Serviço de Investigação Criminal (SIC) na Lunda Norte. Não concordamos porque os prazos de prisão preventiva já venceram. Ele está preso há mais de seis meses e, naturalmente, não pode ser esta nota que veio do Ministério Público a dizer que tem de prorrogar mais dois meses, porque não conseguem encontrar os outros elementos que estiveram metidos nessa suposta manifestação. Se não conseguem encontrar outros elementos que estiveram na suposta manifestação, naturalmente Zecamutchima devia ser posto em liberdade. Achamos que este processo é um processo político, achamos que há mão invisível por detrás de tudo isso. O Ministério Público não está a cumprir aquilo que determinam as normas, como fiscal da legalidade devia cumprir os prazos de prisão preventiva.
DW África: Quem são esses outros elementos de que fala o Ministério Público, sendo que, segundo a polícia angolana, estiveram cerca de 300 pessoas - ligadas ao Movimento do Protetorado - envolvidas no incidente de Cafunfo?
SF: Eles é que alegam, eles é que dizem, nós não conhecemos essas outras pessoas. E até dizem que são muitas outras pessoas que estiveram no processo, mas nós não as conhecemos, até porque Zecamutchima nunca esteve na Lunda Norte, sempre esteve em Luanda, não participou na suposta manifestação. Portanto, eles é que sabem, eles é que deverão conhecer essas outras pessoas que não conseguem localizar.
DW África: E durante esses mais de seis meses nunca conseguiram que Zecamutchima fosse encaminhado para a Lunda Norte?
SF: Infelizmente continua em Luanda, desde a data em que está detido. O Serviço de Investigação Criminal em Luanda não compreende porque é que Zecamutchima continua aqui em Luanda, não foi encaminhado. E está com um problema de saúde preocupante. Ontem estive em contacto com o Zecamutchima e ele não está muito bem de saúde.
DW África: Desde a detenção em fevereiro têm feito vários requerimentos, assim como pedidos de habeas corpus, sem resposta. Perante esta prorrogação da prisão preventiva, o que pretende fazer a defesa?
SF: Nós vamos impugnar este despacho do Ministério Público. Todas as vezes que remetemos documentos houve sempre um silêncio, não compreendemos porque é que agora há um despacho do Ministério Público a dizer que não consegue encontrar os outros elementos. Se não consegue efetivamente encontrar os outros elementos, têm de pôr o Zecamutchima fora da cadeia. Isto é o que a lei prevê. Portanto, não podem estar a prender para investigar. Isso não é de Direito, isso é denegação da justiça. E como tal achamos que, de facto, há uma irresponsabilidade por parte do Ministério Público em ter emitido esse despacho porque já se ultrapassaram os prazos da prisão preventiva e a lei determina que quando não há acusação nem pronúncia, o réu deve estar fora da cadeia. O que está a acontecer é o contrário, Zecamutchima continua na cadeia por capricho de certas pessoas e nós achamos que é ilegal. O despacho do Ministério Público não nos convence. Portanto, nós continuaremos a fazer pressão, continuaremos junto dos órgãos competentes para ver se conseguimos a liberdade de Zecamutchima.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.