Parlamento angolano recuou na controversa decisão de adquirir carros de luxo para os seus 220 deputados. Analistas dizem que parlamentares também devem fazer sacrifícios em tempos de crise.
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A partir da decisão que suspendeu a compra das viaturas de luxo, que custaria mais de 70 milhões de euros ao Estado, os 220 deputados angolanos estão sem carros protocolares. Os parlamentares também estão há 19 meses sem subsídios de telecomunicações, de combustível, e pagamento de viagens.
A crise económica e financeira que o país atravessa desde 2015 esteve na base da suspensão da aquisição das viaturas Lexus. Em declarações à DW África, o professor universitário e analista político Osvaldo Mboco afirma que a consequência da crise financeira deve ser sentida por todos.
"É fundamental que se adquiram carros que custem menos, porque se o país está atravessar uma crise económica, financeira e cambial e se exige do povo atos de sacrifício, é fundamental que os nossos representantes e o próprio Executivo também façam este sacrifício", avalia Mboco, ressaltando que "o sacrifício deve ser feito por todos os angolanos e não por alguns".
O anúncio da aquisição de carros de luxo gerou contestações na sociedade angolana. Em maio deste ano, o despacho nº. 3/17 da Assembleia Nacional delegou competência ao secretário geral daquele órgão para a compra daquelas viaturas para os deputados da IV Legislatura do Parlamento angolano, no valor de mais de 70 milhões de euros.
O jornalista André Kivuandinga foi um dos contestatários do despacho. Kivuandinga diz que é contra a aquisição de viaturas de luxo para os deputados. Para ele, veículos deste tipo poderiam causar constrangimentos.
"Um deputado eleito pelo povo e um povo que sofre não pode ter um carro de luxo. Uma viatura Lexus entrar num bairro como Belo Monte (bairro a norte de Luanda), que não tem nada asfaltado e não tem energia eléctrica, nem água da rede pública, acho que inibe o contato com a população", explica.
Mecanismos de fiscalização
O Presidente da República, João Lourenço, tem adotado medidas que analistas consideram inovadoras na governação do país. No entanto, para Osvaldo Mboco, não foi isto que inlfuenciou a decisão da Assembleia Nacional, uma vez que em Angola existe a separação de poderes. "O Poder Legislativo é autónomo ao Executivo, embora trabalhem de forma correlacionada. Não acredito que tenha sido orientação do Executivo neste tipo de questões", completa.
Em 2013, um acórdão do Tribunal Constitucional proibiu que os deputados fiscalizassem a execução do Orçamento Geral do Estado por parte do Governo, uma das competências conferidas à Assembleia Nacional pela constituição de 2010.
Entretanto, Osvaldo Mboco diz que é necessária a fiscalização das ações do Executivo. Acrescenta também que "a população deve adotar um mecanismo de fiscalização do desempenho e trabalho do próprio deputado". De acordo com o professor, "há deputados que durante uma legislatura não fazem nenhuma intervenção".
Lexus Angola - MP3-Mono
Trabalho dos jornalistas
Os jornalistas, que, entre outras funções, têm o papel de divulgar à população as ações dos parlamentares, queixam-se de restrições na cobertura das plenárias. Para terem acesso ao interior da Assembleia Nacional, por exemplo, os profissionais são obrigados a vestir fatos.
André Kivuandinga é um dos repórteres que já passou por esta situação. "Normalmente, nas notas que são enviadas aos órgãos de comunicação social, vem sempre 'traje formal'. O traje não escreve, o traje não faz uma boa notícia, não faz reportagem; quem faz a reportagem é a pessoa. Eu posso entrar na Assembleia Nacional de calções ou como estiver vestido", sublinha.
No Parlamento, os jornalistas também não têm acesso à sala dos debates para a recolha de informações, sublinha Kivuandinga. "Os deputados discutem no terceiro andar e os jornalistas ficam no primeiro. É muita disparidade, aliás, isso soa a discriminação”.
A IV Legislatura, resultante das eleições de 23 de agosto, ganhas pelo partido no poder, conta com quatro partidos e uma coligação: o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), a Convergênvcia Ampla de Salavação de Angola (CASA-CE), o Partido da Renovação Social (PRS) e Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA).
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".