Continuam detidos os sete jovens condenados na sequência de uma manifestação contra a falta de água no município do Lobito, província angolana de Benguela. Defesa queixa-se de várias injustiças.
Publicidade
Os sete jovens foram detidos a 2 de julho depois de protestarem contra a falta de água no Lobito. Foram a seguir julgados e considerados culpados de crimes de desobediência a agentes da ordem pública, associados a injúrias e desacatos.
Os jovens foram condenados a pagar uma multa e as custas judiciais - ao todo, 76 mil kwanzas (cerca de 200 euros) cada. Mas continuam detidos, por não conseguirem pagar o montante.
Em declarações à DW África, Tchipilica Eduardo, um dos advogados de defesa, queixa-se de várias injustiças no caso.
Primeiro que tudo, a sentença foi injusta e "generalista", diz Tchipilica Eduardo. "Não pessoalizaram os factos nem as provas. E os argumentos foram apenas os dos polícias que estiveram na manifestação, que alegaram em tribunal factos que não constavam do auto de notícia", afirma.
A DW tentou obter uma reação da polícia, sem sucesso.Além disso, segundo o advogado de defesa, "a outra injustiça é terem condicionado a liberdade ao pagamento da multa".
Angola: Detenção de manifestantes é "completamente injusta"
"Isso é completamente injusto", diz Tchipilica Eduardo.
Apesar de considerar a sentença do Tribunal Provincial de Benguela de injusta, a defesa não recorreu da decisão por temer que os seus constituintes pudessem continuar detidos enquanto o recurso fosse avaliado. Agora, a libertação dos sete jovens dependerá, em grande medida, da contribuição de organizações e pessoas de boa-fé, segundo o advogado: "Há uma corrente de solidariedade ao nível do país", revela.
"Opção pouco inteligente"
Este não é o primeiro caso em que a libertação de cidadãos julgados e condenados na sequência de uma manifestação depende do pagamento da multa e das custas judiciais
No início deste ano, um grupo de ativistas, incluindo Arante Kivuvu, passou por uma situação idêntica, após ser condenado por participar numa manifestação contra o presidente do conselho de administração do Banco BIC, em Luanda.
Luanda: Violência policial marca o 27 de maio
01:05
Para o jornalista angolano Ilídio Manuel, a detenção de manifestantes "é uma opção pouco inteligente" por parte das autoridades.
"As detenções provocam muito mais ruído e muito mais impacto do que a manifestação em si. Uma dezena de jovens não consegue desestabilizar um país. Com as forças de segurança que nós temos e os investimentos que foram feitos, o que é uma dezena de jovens?"
Um "paradoxo"
O jornalista sublinha que as detenções deviam ser feitas em "último recurso" - quando há violência, desacatos e arruaças. Mas não terá sido esse o caso no Lobito.
"As informações que tenho de diversas fontes convergem no sentido de que foi uma manifestação pacífica", diz Ilídio Manuel. "Os jovens encontraram-se a cem metros da administração do Lobito e exibiam cartazes que nada tinham de incitamento à violência - antes pelo contrário eram cartazes com fins didáticos e preventivos, com dizeres como 'sem água não há vida!'."
O jornalista afirma ainda que é um "paradoxo" o que ocorre em Benguela: "Há pessoas que desviaram grandes somas de um projeto que visava abastecer água às cidades do Lobito, Benguela e Catumbela e Baía Farta e que estão aí livremente."
Há mais de dez anos que o Governo angolano começou a implementar em todo país o projeto "Água para Todos". Mas a iniciativa tem sido um "fiasco", comenta Ilídio Manuel.
"Não sei há quantos anos se fala nisso. Há uma série de instituições, incluindo o Banco Mundial e a União Europeia, que têm canalizado as verbas. Mas a água potável não chega às pessoas", conclui.
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.