Com Lula na Presidência brasileira, Angola e Brasil podem experimentar relações bilaterais renovadas, dizem analistas angolanos. Mas Luanda "deve saber jogar com as peças que tem para trazer essa vantagem para o país".
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Nkinkinamo Tussamba, especialista em assuntos internacionais, não tem dúvidas: com Luís Inácio Lula da Silva na Presidência, o "novo" Brasil voltará a abrir-se para o mundo.
"Com o mandato de [Jair] Bolsonaro, ficou claro aquilo que Bolsonaro queria para o Brasil. Foi uma mensagem clara em termos de política externa: houve realmente o abrandar das relações com muitos países, não apenas com Angola", lembra o analista. Agora, acrescenta, "Angola deve saber jogar com as peças que tem para trazer essa vantagem para o país".
Dados oficiais do Ministério das Relacoes Exteriores do Brasil indicam que, até meados do ano passado, as trocas comerciais entre os dois Estados situavam-se em mais de 276,7 milhões de dólares. Além do comércio e defesa, Angola pode tirar vantagem noutros setores como, por exemplo, a transição digital, considera João André, outro especialista em relações internacionais.
"Hoje é sem dúvida uma seta a seguir, porque o desenvolvimento do mundo vai passar muito pela transição digital e o Brasil pode ajudar-nos em relação a essa questão", afirma.
Cooperação no turismo e ciência no horizonte?
O analista João André entende que Angola pode também beber mais das políticas brasileiras de fomento ao turismo para dar a conhecer ao mundo as sete maravilhas do país. Em 2022, o Brasil recebeu mais de três milhões de turistas estrangeiros e pode "ajudar Angola a saber mais e ter melhor know how", considera.
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"Angola tem gastado muito dinheiro para melhorar a sua imagem no exterior e com isso reforçar a entrada de turistas no país para que este setor venha a alavancar o setor económico", lembra o especialista.
Nkinkinamo Tussamba aponta outros setores para potencial cooperação, como a produção e investigação científica: "No tempo da pandemia [da Covid-19], já se falava na produção da própria vacina a nível do Brasil. É preciso olhar para estes setores e buscar esse conhecimento científico que o Brasil tem".
A cooperação pode ainda passar pela agricultura e pela industrialização, diz Tussamba. "Nós temos um défice quanto a este setor da industrialização. É preciso buscar esse elemento para trazer para o nosso país. Quem fala da industrialização, fala também da agricultura. Em termos de agropecuária, o Brasil é forte e não é por acaso que consegue alimentar o mundo com aquilo que realmente produz", considera.
O ministro angolano das Relações Exteriores, Téte António, já disse que o Governo angolano vai buscar o know how do Brasil para o processo de diversificação da economia em curso no país, no âmbito da cooperação bilateral.
Os dez músicos brasileiros que mais se empenharam para fazer a ponte África-Brasil
A música torna-se um dos maiores aliados para eliminar diferenças e polémicas como, por exemplo, se o samba é brasileiro ou de Angola. Estes dez artistas colocam África em destaque de forma inovadora e revolucionária.
Foto: W. Montenegro
Viagens em livros e muita música
Martinho da Vila faz um verdadeiro manifesto anti-racista no livro "Kizombas, Andanças e Festanças", lançado pela primeira vez em 1972. O cantor e compositor, que assina alguns dos maiores sucessos da música brasileira, aparece no topo da lista dos músicos brasileiros que mais contribuíram para a ponte Brasil-África de acordo com diferentes instituições e especialistas ouvidos pela DW África.
Foto: Getty Images/R. Dias
"Marrom" graças ao amor pelas origens
Alcione Dias Nazareth, a Marrom, viajou diversas vezes para apresentações em países africanos, como Angola e Moçambique. Depois de 25 anos sem ir a Cabo Verde, a maranhense fez uma apresentação, em 2011, para celebrar os seus 40 anos de carreira. Do arquipélogo, inclusive, gravou "Regresso" (Mamãe Velha), composição histórica de Agostinho José que usou um poema de Amílcar Cabral.
Foto: Getty Images/F.Calfat
Sons e política em oração
Gilberto Gil, músico e ex-ministro da Cultura do Brasil, procurou desconstruir equívocos na música "Mão da Limpeza", em 1983, levando em conta o pejorativo termo de que "negro quando não suja na entrada, suja na saída". Cantada ao lado de Chico Buarque, valoriza a contribuição dos afro-brasileiros na gastronomia e cultura brasileiras. Em 1985, lançou a "Oração Pela Libertação da África do Sul".
Foto: FAO/Giulio Napolitano
"A carne mais barata do mercado é a carne negra"
Elza Soares é militante assumida numa carreira de mais de 60 anos e apresenta em muitas das suas músicas a realidade do negro, tomando como ponto central a mulher. Nascida na favela da Moça Bonita, Rio de Janeiro, em 1937, Elza não perde oportunidade para gravar canções como "A Carne", de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette. O mais recente trabalho é "A Mulher do Fim do Mundo" (2016).
Foto: Getty Images/K.Betancur
Composições e inspiração para novos artistas
Mateus Aleluia (esq.) morou 20 anos em Angola e sempre procurou ligações com outros artistas para dar vida à África perdida na história do Brasil. O músico nascido no estado brasileiro da Bahia inspira trabalhos de nomes como Carlinhos Brown, Nação Zumbi e Cidade Negra. Aleluia integrou o legendário "Tincoãs", nos anos 1970. Na foto, está ao lado de Bule-Bule (centro) e Raimundo Sodre (dir).
Foto: picture-alliance/ dpa/S.Creutzmann
Morena de Angola, Moçambique e Brasil
Clara Nunes (1942-1983) fascina quem pesquisa sobre o Brasil e está em África. O inédito nela é ter cantado sobre elementos fora do dia-a-dia das pessoas, como em "Mãe África", do marido Paulo César Pinheiro e Sivuca. Foi desta forma que rompeu paradigmas, vendendo mais de 100 mil cópias. É retratada no documentário Clara Estrela (2017), dirigido pelos brasileiros Susanna Lira e Rodrigo Alzugui.
Foto: W. Montenegro
O Sul do mundo em lágrimas
Milton Nascimento compôs a Missa dos Quilombos, em 1981, para denunciar as consequências da escravidão e do preconceito no Brasil. Criado por pais adotivos brancos, impulsionou a criação dos Tambores de Minas, nos anos 1990, e trabalhou com projetos envolvendo novos talentos. Com mais de 50 anos de carreira, escreveu Lágrima do Sul, ao lado de Marco Antônio Guimaraes, do grupo Uakti.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Cruz
Afro-brasileiro fora da África e do Brasil
Desde o início da sua carreira, nos anos 1960, Jorge Ben Jor manteve-se mais próximo dos aspectos afro-brasileiros, afastando-se da Bossa Nova que dominava a cena musical brasileira. O guitarrista, cantor e compositor gravou "África Brasil", em 1976. É deixando-se ser marcado por esta influência que se apresenta em diversos pontos do planeta, como no Festival de Montreux, na Suíça (foto).
Foto: picture-alliance/dpa/S.Campardo
Sem dar adeus à Àfrica
Naná Vasconcelos (1944-2016) já começou sua carreira intitulando o primeiro disco de "Africadeus", em 1973. Respeitado no mundo inteiro por valorizar as culturas africana e negra em seu trabalho, ganhou oito prémios Grammy. De 1983 a 1990, foi o Melhor Percussionista do Ano, da revista Down Beat. Em 2010, o pernambucano reuniu meninas e meninos de Angola, Brasil e Portugal no projeto Língua Mãe.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Moreira
Revolução em lugares inesperados
Já no início da carreira, nos anos 1960, Maria Bethânia fazia invocações africanas e revolucionou aglutinando dois continentes dentro de boates! Com uma trajetória sólida, em 1986, gravou com o grupo sul-africano Lady Smith Black Mambazo. Ao lado de Mingas, Mia Couto e Agualusa, a intérprete baiana acaba de lançar o documentário "Karingana, Licença para Contar" (2017), de Monica Monteiro.