Angola: Devolver dinheiro é parar processo de corrupção?
Borralho Ndomba
12 de abril de 2019
Em Angola, continua a suscitar debate o "modus operandi" da PGR: ilibar ex-gestores públicos acusados de corrupção ao devolverem ao Estado dinheiros desviados dos cofres públicos.
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O novo modus operandi da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola, de ilibar os ex-gestores públicos acusados de corrupção quando devolvem ao Estado os dinheiros desviados dos cofres públicos, continua a suscitar muito debate no país.
Assim como o caso do empresário suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Murais, sócio de José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, a PGR na província da Huíla, recentemente pôs também em liberdade os membros do Governo provincial que estavam presos por crime de peculato.
Analistas ouvidos pela DW África dizem que o modelo adoptado pelo Ministério Público vai continuar assegurar a impunidade no país de João Lourenço.
200 milhões de Kwanzas
Estão em liberdade desde o início de abril antigos dirigentes do governo provincial da Huila, acusados de roubarem 200 milhões de Kwanzas, cerca de 606 mil euros. Esse valor era destinado ao pagamento de três anos de salários em dívida aos professores e montagem de laboratórios escolares.
O ex-diretor provincial da Educação, Américo Chicote, o ex-secretário geral do governo da Huíla, António Ndasyndondio e o ex-delegado das finanças, Sousa Dala, devolveram o dinheiro que terão desviado, e foram postos em liberdade. O Ministério Público angolano garante que o dinheiro já está na conta do Estado.
Em declarações à DW África, o jurista angolano Pedro Kaparakata disse que a cooperação entre os implicados e a PGR não tem nenhum fundamento legal. A libertação daqueles cidadãos é uma decisão política.
Segundo Pedro Kaparakata, "o caso de Jean Claude Bastos, e dos outros da Huíla, não podem ser vistos do ponto de vista da legislação penal. São medidas políticas”, disse o analista, afirmando que desta forma não se está a combater a corrupção em Angola.
"Ninguém está combater a corrupção no país. Pelo contrário, está-se a criar todas condições para que hajam mais casos de corrupção. Para combater a corrupção é preciso combater o elemento fundamental que protege os corruptos, ou o que leva as pessoas a apropriarem-se de bens públicos e privados. Não é só o Estado que fica prejudicado, o privado também".
Combater a corrupção, prioridade do Governo?
Angola: Devolver dinheiro é parar processo de corrupção?
Apesar desta medida da PGR, o Presidente angolano, João Lourenço insiste que o combate à corrupção e a impunidade continuam nas prioridades do seu Executivo, com objectivo de moralizar a sociedade e melhorar o país.
Entretanto, o filósofo angolano Albino Pakisi diz que o programa de combate à corrupção apenas terá sucesso quando o chefe de Estado formar um Governo com novas figuras, classificando-o como uma farsa:
"Todos que estão no Governo - praticamente 75% ou 85 % - são corruptos. João Lourenço está a construir uma casa a base de areia. Se o Presidente não combate seriamente a corrupção, é dizer, não pára de empregar as mesmas pessoas que estavam no Governo anterior, ele faz com que tenhamos as mesmas pessoas a fazerem as mesmas coisas no Governo. Para nós isso é uma farsa", disse o filósofo.
Por seu turno o deputado Nelito da Costa Ekuikui, do Grupo Parlamentar da UNITA, afirmou que o Presidente da República usou o combate a corrupção com a finalidade de resgatar a credibilidade do Estado junto da comunidade internacional e também do MPLA junto aos cidadãos.
Dinheiro desviado
"Essas pessoas lesaram o interesse nacional. Como é que se retira a responsabilidade criminal pelo facto deles reporem o dinheiro? Como ficam as crianças que estão sem estudar na Huíla? Como ficam as crianças e adultos que morreram por falta de medicamentos, como aspirinas, nos hospitais? E as pessoas que morreram nas estradas angolanas por falta de iluminação e reabilitação? Isso, por conta do dinheiro que o Zenu e outros desviaram", questionou o deputado.
Para Nelito Ekuikui, o plano contra a corrupção no país não tem "pernas para andar", isso porque, segundo o mesmo "este combate à corrupção" não poderia ser bandeira do Presidente da República, mas sim a bandeira do país. "Angola é um todo - partidos políticos, igreja e sociedade civil. O combate à corrupção deve partir de casa, da igreja, da escola e da Presidência da República", explicou.
Ainda sobre o caso, o jurista Pedro Kaparakata reitera que até a prisão de José Filomeno dos Santos,
filho do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, foi uma "encenação”, ou seja, uma forma encontrada para proteger estas pessoas da "fúria" que então reinava no país.
"Quando José Eduardo dos Santos deixou o poder, as pessoas estavam em estado cólera. Se o Zenu ou qualquer outra pessoa aparecesse no Largo 1 de Maio, seriam imediatamente esmagados. Então era necessário que se simulasse algo, pelo menos até que a fúria passasse. E isso foi o que aconteceu, a fúria passou as pessoas já esqueceram", frisou o jurista.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".