Diretor de jornal angolano diz-se alvo de intimidação
Borralho Ndomba
25 de fevereiro de 2021
João Lourenço está a processar o jornal O Crime por uma peça que o qualifica como "demagogo e hipócrita". O diretor do jornal, Mariano Brás, nega que tenha ofendido o Presidente e se diz intimidado pelo SIC.
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Em dezembro do ano passado, o jornal O Crime elegeu o Presidente João Lourenço como a "pior figura de 2020”. Numa matéria de capa, considerou "demagogo e hipócrita” o chefe de Estado angolano pelo incumprimento das promessas eleitorais três anos depois de assumir a presidência.
O proprietário e diretor da publicação, Mariano Brás foi ouvido, no passado dia 12 de fevereiro, como arguido, pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC). Originalmente tinha sido notificado como declarante. Mas, na altura, foi informado que está a ser processado por ofender Lourenço.
"Recuso-me de ter ofendido o Presidente, porque foi apenas um exercício de análise. Em função da postura que o senhor Presidente tem adotado, reitero que é uma postura de demagogia e hipocrisia”, disse Mariano Brás à DW África.
Multiplicação de processos
Não é a primeira vez que o jornalista é interrogado pelo SIC devido a queixas de entidades políticas. Em 2018 foi absolvido, juntamente com o ativista Rafael Marques, de crimes de injúria e ultraje ao órgão de soberania, um processo movido pelo ex-procurador geral da República, João Maria de Sousa.
No ano passado, o diretor do Crime respondeu a uma queixa apresentada pela ministra de Estado para os Assuntos Sociais, Carolina Cerqueira, num processo ainda a decorrer.
Brás diz que, no último interrogatório, os inspetores do SIC não o questionaram sobre questões relacionadas ao processo, mas sim sobre a sua vida privada. E diz que há uma tentativa de silenciar o jornal.
"Questionaram a minha morada. Acho que foram invasivos. Fugiram do processo e foram mais para as questões pessoais, situação que me deixou intimidado. Senti-me intimidado em função de vários processos que tenho respondido, curiosamente de dirigentes do MPLA”, frisou o jornalista angolano.
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Perigo para o jornalismo independente
O diretor do jornal O Crime teme que o período pré-eleitoral venha ser perigoso para o jornalismo independente em Angola. "Estamos a voltar a um período pior que o anterior”, disse. "O Presidente João Lourenço está a encaminhar-se para a ditadura. É um indivíduo que não aceita crítica, que não aceita ser questionado. Os órgãos do Estado agem todos por este caminho. Estamos a ter um sistema musculado”, afirma Brás. "Se não se meter pé nesta situação, vamos começar ouvir histórias de jornalistas encontrados mortos. Não estamos muito longe desta situação”, avisa.
A DW África tentou ouvir a propósito o secretário do Presidente da República os Assuntos de Comunicação Institucional e de Imprensa, Luís Fernando, mas não obteve resposta.
O Sindicato dos Jornalistas Angolanos diz que ainda não tem dados concretos sobre a acusação. O secretário-geral Teixeira Cândido afirma que o órgão se pronunciará oportunamente. "Ao Sindicato dos Jornalistas Angolanos não chegou ainda nenhuma informação oficial, ainda não fomos contactados pela direção do jornal. Precisávamos saber concretamente qual é a qualificação que se vai dar a este exercício para depois podermos falar com mais exatidão sobre aquilo que é a opinião do sindicato”, disse Teixeira Cândido à DW África.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.