Em Angola vão a voto parlamentar duas novas propostas leis que reforçarão a participação política dos cidadãos. A possibilidade de unificação dos dois diplomas não está descartada.
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A Assembleia Nacional de Angola vota, no dia 27 de janeiro, a proposta de Lei sobre o Direito da Ação Popular, de iniciativa legislativa do Executivo, e o projeto sobre o Direito de Petição, de iniciativa do grupo parlamentar do maior partido da oposição, UNITA.
Em entrevista à DW, Liberty Chiyaka, líder do grupo parlamentar da UNITA, explica que, apesar de ambas as leis visarem o reforço do papel da cidadania em Angola, baseiam-se em artigos diversos da Constituição. Ainda assim, Liberty Chiaka não descarta a unificação dos dois diplomas.
DW África: Em que consiste o projeto sobre o Direito de Petição apresentado pela UNITA?
Liberty Chiyaka (LC): O artigo 33 da nossa Constituição estabelece que todos têm o direito de apresentar aos órgãos de soberania ou quaisquer autoridades petições, denúncias, reclamações ou queixas para a defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral; bem como o direito de ser informados, em prazo razoável, sobre o resultado respetivo da apreciação. Isto é o que determina a nossa Constituição. Mais importante do que esta declaração, importa materializar este comando constitucional, este direito. Muitas vezes, os cidadãos, de modo individual ou de forma organizada, por grupos de cidadãos, sejam associações, sejam políticas, apartidárias, sócio-profissionais, solicitam dados da Administração Pública, mas não obtêm resposta. Então precisamos que o direito de petição, que poderá ser expresso na forma de sugestão, de reclamação ou da denúncia, seja devidamente consumado através de uma lei.
Novas propostas de lei dão mais poder ao cidadão
DW África: Na próxima semana vai também ser votada a Lei sobre o Direito de Ação Popular, e esta uma iniciativa do Governo. Em que difere da proposta da UNITA?
(LC): O projeto de lei da UNITA tem como base o artigo 73 da nossa Constituição. A proposta do Governo tem como base o artigo 74. Este último estabelece que qualquer cidadão, individual ou através da sociedade, tem direito a ação judicial nos casos e termos estabelecidos por lei, que vise anular atos lesivos à saúde pública, ao patrimônio público, histórico cultural, ao meio ambiente e à qualidade de vida, a defesa do consumidor, a legalidade dos atos da administração e demais interesses coletivos. Portanto, são substancialmente diferentes. O cidadão recorre ao tribunal. Mas no projeto de lei apresentado pelo grupo parlamentar da UNITA está excluído o recurso ao poder Judicial. No projeto de lei da UNITA nós recorremos à administração, a outros órgãos de soberania, pode ser a própria Assembleia, podemos recorrer ao Provedor de Justiça, a empresas da comunicação social, podemos recorrer ao Presidente da República. Na proposta do Governo o cidadão recorre aos tribunais para anular atos que tenham sido lesivos a diferentes áreas de interesse das comunidades. Esta é a diferença substancial. Mas é importante dizer que as duas iniciativas concorrem para o reforço do papel da cidadania.
DW África: A imprensa nacional dá conta de que este reforço da cidadania, que propõem as duas propostas, poderiam indicar a unificação dos diplomas. Qual é a opinião da UNITA?
(LC): Eu não me gostaria de adiantar à discussão na especialidade, mas aqui é importante dizer que partimos de comandos constitucionais distintos. No entanto, se no decorrer da discussão entendermos que podemos harmonizar, desde que se salvaguarde chegava a guarda o essencial do objeto da proposta do Governo, na perspetiva do direito de ação popular, e o essencial do projeto de lei do grupo parlamentar da UNITA, a perspetiva do direito de petição, não veríamos mal algum. O mais importante vai ser a sua materialização.
Angola: Conheça o Mural da Resistência em Luanda
Uma nova intervenção urbana foi inaugurada em Luanda, com pinturas em homenagem a personalidades importantes da história recente de Angola. Veja o Mural da Resistência, do pintor Zbi de Andrade, nesta galeria de fotos.
Foto: Manuel Luamba/DW
Mural da Resistência
Este é o nome do novo mural localizado nos arredores de Luanda. O espaço pintado pelo artista Zbi de Andrade contém rostos de activistas, políticos e académicos que defendem um país cada vez mais democrático. Uma cerimonia organizada pelo site Observatório de Imprensa homenageou as pessoas retratadas.
Foto: Manuel Luamba/DW
Manuel Chivonda Nito Alves
Manuel Chivonda Nito Alves é um activista angolano que se notabilizou nos protestos de rua que começaram em 2011. Em 2013, com apenas 17 anos, foi acusado de difamar o ex-Presidente José Eduardo dos Santos. Foi espancado e detido por várias vezes pela polícia. É um dos activistas detidos em 2015 no caso conhecido como "Processo dos 15+2".
Foto: Manuel Luamba/DW
Laurinda Gouveia
Laurinda Gouveia é uma activista angolana que também se notabilizou por organizar e participar manifestações de rua, exigindo melhores condições de vida à população. Gouveia é integrante do Odjango Feminista e defende a igualdade de direitos. A sua veia reivindicativa acabou por levá-la à cadeia por inúmeras vezes. Também foi condenada no "Processo dos 15+2".
Foto: Manuel Luamba/DW
Rosa Conde
Rosa Conde também foi detida e julgada no âmbito do Caso 15+2 - quando 17 ativistas foram acusados de tentativa de golpe de Estado. Com "sangue" de Cabinda, foi um dos rostos que, em 2016, lideraram os protestos contra o assassinato de Rufino António - morto a tiros alegadamente por um militar do PCU durante as demolições no bairro do Zango.
Foto: Manuel Luamba/DW
Filomeno Vieira Lopes
Filomeno Vieira Lopes é um conhecido político e economista angolano. Já foi espancado por várias vezes em manifestações de rua. Atualmente é o presidente do Bloco Democrático, uma formação política derivada da Frente Para Democracia (FPD), associada a intelectuais angolanos. O BD é um dos integrantes da Frente Patriótica Unida, aliança de oposição que visa à alternância de poder em 2022.
Foto: Manuel Luamba/DW
William Tonet
William Tonet é um jornalista e jurista angolano. Um dos pioneiros do surgimento da imprensa privada em Angola. Com a institucionalização do multipartidarismo, Tonet surgiu com o bissemanário Folha 8, um jornal critico ao regime. "Chefe indígena", como é chamado, Tonet deve ser o jornalista angolano em atividade com mais processos judiciais.
Foto: Manuel Luamba/DW
Luís Nascimento
Luís Nascimento é um jurista e advogado angolano. Foi um dos cidadãos que exigiram a destituição de Isabel dos Santos da chefia da petrolífera estatal Sonangol em 2016. Foi o advogado da família de Rufino António, adolescente morto alegadamente pelas forças de segurança nas demolições no Zango. Nascimento foi um dos candidatos derrotados na última convenção do Bloco Democrático.
Foto: Manuel Luamba/DW
Nelson Pestana "Bona Vena"
Nelson Pestana "Bona Vena" é um académico e político angolano. Conhecido por ser um "homem das letras", Bona Vena é ligado ao Centro de Investigação Cientifica da Universidade Católica de Angola e ao Centro de Estudos Africanos. É político do Bloco Democrático.
Foto: Manuel Luamba/DW
Fernando Macedo
Fernando Macedo é um ativista e professor universitário angolano. Reconhecido por muitos pela integridade, Macedo é um dos fundadores da Associação Justiça Paz e Democracia. O ativista é profundamente critico ao antigo e ao actual regime angolano. Em 2018, Macedo foi um dos organizadores de um protesto contra a amnistia de cidadãos que desviaram fundos públicos para o estrangeiro.
Foto: Manuel Luamba/DW
Luís Araújo
Luís Araújo fundador e coordenador da SOS Habitat, uma ONG que defende e promove o direito à habitação em Angola. Em 2016, o ativista angolano teve projeção ao defender que a remoção do que chamou de "ditadura angolana" é uma necessidade. Em 2005, Araújo e mais dez pessoas foram julgados pelo Tribunal Provincial de Luanda, acusados de incitamento à violência. Vive há anos na Europa.