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Angola e Moçambique querem modernizar agricultura

9 de fevereiro de 2018

Angola e Moçambique desenham um plano de desenvolvimento e projeção da agricultura familiar. As diretrizes para a sua implementação nos países lusófonos constam da Carta de Lisboa, agora assinada na capital portuguesa.

Encontro que reuniu participantes da CPLP terminou com a assinatura da "Carta de Lisboa pela Agricultura Familiar"Foto: DW/João Carlos

Angola quer redinamizar a agricultura, pela via da industrialização. Para isso, terá de desenvolver políticas exclusivas de desenvolvimento, de forma a incrementar a agricultura familiar tradicional. Quem o afirma é a Associação Industrial de Angola (AIA), que alerta que este método será a via para inverter a tendência de importação de mais de 90% dos produtos consumidos no país.

Para além de Angola, também Moçambique deve seguir o mesmo caminho. A Federação Nacional das Associações Agrárias Moçambicanas defende uma aposta na agricultura familiar, num país onde a agricultura de grande escala tem gerado polémica.

As diretrizes para o desenvolvimento da agricultura familiar nos países lusófonos constam da Carta de Lisboa, assinada esta quarta-feira (07.02), na capital portuguesa. O acordo foi oficializado no final dos trabalhos da Reunião de Alto Nível deste setor, que teve lugar na Fundação Calouste Gulbenkian.

Obstáculos financeiros

Quando se fala na urgência de diversificar a economia angolana, fala-se também no peso da agricultura, pela sua potencialidade. Mas há sérios desafios apela frente, sublinha o vice-presidente da Associação Industrial de Angola, Eliseu Gaspar. "Nós temos um país com imensas terras aráveis, com potencial hídrico de invejar e temos uma população que, na sua maioria - mais de 50% das famílias angolanas - se dedica à agricultura, mais especificamente à agricultura familiar", afirma.

Eliseu Gaspar: "Vamos ter um ano bastante difícil"Foto: DW/João Carlos

A "petrodolarmania" que vigorou nos últimos anos – assente na exploração petrolífera – relegou para segundo plano o setor da agricultura, lembra ainda o vice-presidente da Associação Industrial de Angola. Mas com a atual grave crise financeira e económica em que o país está mergulhado, o novo Governo pretende agora apostar no agro-negócio.

No entanto, a verba prevista para este setor no Orçamento de Estado para 2018 inquieta Eliseu Gaspar. "Se tivermos em conta que a União Africana, em resolução recente, aprovou 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a agricultura e para o nosso orçamento deste ano foi disponibilizado zero vírgula qualquer coisa por cento, estamos a falar de uma fasquia bastante irrisória", diz.

Se não houver apoios estatais, a população encontrará dificuldades para continuar a viver da agricultura familiar, sublinha Eliseu Gaspar. Outra preocupação é a seca, que afeta as províncias do sul e o acesso à água dos rios, que é desviada para grandes propriedades. "Apesar destes obstáculos, Angola tem um potencial hídrico que permite uma agricultura intensiva durante todo o ano. Mas temos que modernizar a nossa agricultura, temos que deixar de praticar uma agricultura de subsistência, para passar a uma agricultura virada para o desenvolvimento e isso pressupõe deixar de fazer uma agricultura a contar com a chuva".

Fomento do setor privado

Apesar destas vontades e necessidades, Eliseu Gaspar está ciente das dificuldades económicas e deixa o futuro a seu tempo. "Os governos estão a atravessar enormes dificuldades. No caso de Angola, por exemplo, o preço do petróleo baixou, herdámos um país com uma dívida externa e interna bastante elevada, e há que repor aquele poder de financiamento que, infelizmente, não temos. Vamos ter um ano bastante difícil, um ano de adaptação e vamos ver o que pode acontecer."

Angola e Moçambique querem modernizar agricultura

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Na perspetiva de Eliseu Gaspar, a alternativa é o fomento do setor privado, com recurso a fundos externos, através da Organização das Nações Unidas para a Agricultura (FAO) e do Banco Mundial. Será também necessário, promover políticas públicas que fomentem a fixação das famílias no meio rural. Esta é, igualmente, a estratégia de Moçambique, através de um projeto de cadastro prévio, que envolve os apoios do Brasil e da FAO, segundo revelou Sandra Silva, diretora de Extensão Rural.

"Pretende-se com este projeto, fortalecer as capacidades de Moçambique, desenhando um instrumento com vista a realizar o cadastro do setor familiar. Portanto, 99% são famílias abarcando este setor, mas a identificação e a caraterização deste setor familiar vai permitir um melhor direcionamento de políticas públicas, para este grupo alvo", disse.

Prioridade para famílias sem recursos

Moçambique também defende a inclusão. No entanto, enfrenta dificuldades de ordem financeira para apoiar as famílias, que não têm acesso ao crédito bancário, lembra Julina Harculette, delegada da Federação Nacional das Associações Agrárias de Moçambique.

Julina HarculetteFoto: DW/João Carlos

"As grandes empresas servirão de garantia para que nós possamos ter acesso aos outros mercados. O pequeno agricultor não tem certificado, tem problemas de qualidade, de transporte, de embalagem. Vamos fazer uma espécie de cadeia, uma espécie de formação. Se formos a ver a agricultura familiar, é praticada 90% pelas mulheres e raparigas. Além disso, temos os jovens que não têm trabalho, não têm emprego. Então, essa inclusão já pode trazer algum progresso e pode fazer alguma diferença", explicou.

No que toca à facilitação de acesso a financiamento por parte do agente agrícola, Julina Harculette lembra que "o agricultor familiar não tem garantias a não ser a terra, que pouco ou nada serve de garantia para o banco". Por isso, acrescenta, "esse mecanismo vai criar uma facilitação, através das empresas que nele estão incluídas. Vamos procurar financiamento, para dar garantias aos agricultores e daí, poderem desenvolver as suas atividades".

Julina Harculette encabeça a delegação moçambicana da sociedade civil, que veio a Lisboa participar na reunião de três dias, sobre a agricultura familiar e desenvolvimento sustentável na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O encontro, que contou com a participação de José Graziano da Silva, diretor geral da FAO, terminou esta quarta-feira (07.02), com a assinatura ao mais alto nível da Carta de Lisboa pela Agricultura Familiar.