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Angola em destaque na Feira do Livro de Lisboa

18 de junho de 2017

Terminou este domingo (18.06), a 87ª edição da Feira do Livro de Lisboa. Escritores angolanos marcaram presença diária no evento literário. Guerra de Libertação, Independência, democracia e corrupção estiveram em foco.

Buchmesse Lissabon
Ondjaki (à direita), seu pai Júlio de Almeida (centro) e um leitor (à esquerda), durante a Feira do Livro de Lisboa 2017Foto: DW/J. Carlos

Este ano, a literatura de escritores angolanos e portugueses sobre Angola foi mais visível na Feira do Livro de Lisboa, em comparação com a presença de congéneres dos outros Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP). Todos os dias do evento,  que teve início no dia 1 deste mês, escritores angolanos estiveram em sessões de autógrafos.

No pavilhão da Chiado Editora, estava vestido a rigor Beto Kudissanga na companhia do seu mais recente livro "A Verdade Verde".

"A Verdade Verde' diz respeito a uma verdade não amadurecida. Toda a verdade que não amadureceu provoca consequências nefastas. Posso lhe dar um exemplo para ser mais objetivo. Nós, em Angola, tínhamos uma palavra que não podia ser pronunciada: a independência. Quem ousasse a pronunciar, arriscava-se a ser amarrado e torturado, porque a palavra independência era verde," explicou.

Estávamos nos anos 60 e 70. A independência foi conquistada em 1975, seguida de guerra civil que terminaria com os acordos de paz de 2002. Novo no mercado e há muito ativo no papel, Kudissanga olha para a atualidade angolana e reconhece que "a democracia é uma verdade verde. Mas quem a implantou foi o próprio Governo angolano, embora não se esteja ainda a cumprir com todos os requisitos necessários que a própria democracia exige. E aí as pessoas vão se sujeitando a algumas  consequências também".

Estande da Feira do Livro de LisboaFoto: DW/J. Carlos

Um olhar português sobre o conflito armado

Enquanto decorria a sessão de autógrafos, no palco mais abaixo, o cabo-verdiano Jon Luz e a portuguesa Cristina Clara – dois filhos da lusofonia – davam música ao público no final da tarde. Também o escritor português, Henrique Bernardo, esteve presente para autografar "Angola 1961 – História e Estratégia de um Conflito".

"Também falo de Moçambique e da Guiné-Bissau, mas fundamentalmente de Angola. Se os angolanos assim o desejarem, acho que é um livro que pode ser lido pelos angolanos, porque tenho uma postura isenta face ao conflito. Eu, quando falo do conflito, não falo dos terroristas. Falo de nacionalistas, falo de guerrilheiros e do combate deles com as tropas portuguesas," revelou.

Bernardo, que atualmente é professor académico, conta que foi para Angola aos oito anos de idade e acabou por passar lá todo o período de conflito armado. Entretanto, veio para Portugal tirar um curso na Força Aérea e voltou de novo para lá, onde fez o serviço militar. Viveu aquele período conturbado antes da independência, tendo regressado em 1980. É toda esta vivência, além das lutas de libertação em Moçambique e na Guiné-Bissau, que motiva a escrita deste seu livro.

19.06.17 Reportagem Feira do Livro Lisboa 2 - MP3-Stereo

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Histórias e recordações

No entanto, no espaço da Leya Editora, Júlio de Almeida falava na mesma tarde do seu livro "Vaicomdeus, SARL", já lançado em Angola, mas pela primeira vez apresentado em Portugal com prefácio de Pepetela. Tinha ao seu lado o editor Zeferino Coelho, um apaixonante promotor das literaturas africanas escritas em português, que desafiou o escritor a avaliar a sociedade angolana contemporânea.

"Uma parte é essa. A outra parte são histórias e recordações e factos históricos do contexto que nós vivemos nos últimos 40 anos. A luta pela independência, a luta pelo primeiro sistema que tivemos, o sistema socialista, e depois a transição para o sistema capitalista e todas as peripécias que é preciso viver para se vencer no sistema capitalista," enumerou.

"Vaicomdeus, SARL", título do livro, é o nome de uma funerária através da qual mostra como é que se constrói uma empresa no novo sistema capitalista, abdicando de princípios e convicções, montando esquemas e subterfúgios para se afirmar na sociedade. Há um personagem no livro que arriscou qualificar de corrupto honesto.

Para o escritor, "as dificuldades que ele [personagem] tem na vida dão-nos a permissão que ele faça pequenos desvios éticos. Não estou a falar dos grandes corruptos. Os grandes corruptos são indesculpáveis. Mas há assim pequeninos corruptos, coitadinhos, se não fosse isso já tinham morrido".

"Pelo menos de acordo com as estatísticas do FMI [Fundo Monetário Internacional], que diz que grande parte da população que vive abaixo do limiar da pobreza. Como é que se vive abaixo do limiar da pobreza? Não se vive, morre-se," considerou Almeida. 

O escritor angolano Beto KudissangaFoto: DW/J. Carlos

Papel da educação

Apesar de haver já alguns bons escritores, Júlio de Almeida, pai do angolano Ondjaki – também presente na feira –, critica a qualidade do ensino e lamenta a pouca promoção e banalização da leitura nos países africanos lusófonos.

“De facto, acho que a nível mundial também acontece a mesma coisa. Generalizou-se o ensino. Quase que não há analfabetos, mas as pessoas não gostam de ler. E depois estas novas tecnologias - os iPhones, os iPads, o Whatsapp, o Facebook - são muito mais fáceis de ter acesso. Já ninguém come uma grande feijoada, uma grande cachupada, não. Come-se agora os fast foods,” disse Almeida.

Para estes escritores ouvidos pela DW, participar na Feira do Livro de Lisboa projeta as suas obras além fronteira. "Isso é esplêndido" por ser um espaço que ajuda a promover os vários projetos literários, na opinião de Beto Kudissanga, um dos antigos combatentes e veteranos de guerra em Angola. Segundo ele, Angola perdeu o mercado de leitor que já possuía.

"A Guerra de Libertação que durou 14 anos, depois mais uma guerra que foi imposta pelo imperialismo acabou com o mercado de leitores. Foram 41 anos de guerra," concluiu Kudissanga.

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