O alerta é lançado pelo analista Rui Verde, que leu a proposta de Orçamento do Estado de Angola para 2017. O jurista fala numa série de "perigos", como a redução da capacidade do Estado para pagar a dívida. Mas há mais.
Foto: DW/J. Carlos
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O Orçamento Geral do Estado (OGE) de Angola para 2017 foi aprovado há uma semana (17.11) na generalidade e está em análise nas comissões de especialidade do Parlamento.
O analista Rui Verde, que analisou a proposta de Orçamento, alerta para uma série de "perigos". Um deles é a redução da capacidade do Estado para pagar a dívida externa - pagamento que é já a despesa que mais pesa no OGE. E se não paga as prestações, o Governo não recebe novos empréstimos e entra em falência, diz o jurista.
Outro perigo é cortar nas despesas de educação, saúde e assistência social. E há mais riscos "imediatos", explicou Rui Verde em entrevista à DW África.
DW África: O risco de incumprimento financeiro de Angola está a aumentar, acaba de alertar a Economist Intelligence Unit (EIU). Um perigo para o qual o senhor já tinha chamado a atenção quando leu a proposta de Orçamento de Estado para 2017. O país está "à beira do precipício"?
Rui Verde (RV): Sim, o país está à beira do precipício e já está há um ou dois anos. Digamos que está cada vez mais à beira do precipício porque está cada vez mais dependente do financiamento externo e não é certo que consiga pagar. Como sabemos, o preço do petróleo tem oscilado à volta dos 50 dólares por barril, enquanto a economia não tem nenhuma dinâmica e, portanto, se não há dinheiro do petróleo tem que se pedir emprestado. E esse é o grande problema.
DW África: Além disso, dois terços do Orçamento para 2017 serão para pagar a dívida e para o setor da defesa e segurança. Ou seja, setores como saúde, educação, e assistência social vão ficar em segundo plano. Que preço se irá pagar em termos sociais?
24.11.16 Entrevista Rui Verde OGE Angola (ONLINE) - MP3-Mono
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RV: O preço que se irá pagar é o contínuo decréscimo de Angola em termos do índice de desenvolvimento humano. A expetativa angolana há dois ou três anos era passar a ser um país de desenvolvimento médio. Não conseguiu e continua a ser um país de baixo desenvolvimento e vai caindo cada vez mais. O problema é que a população vai sofrendo cada vez mais com estas opções e, no fundo, hoje está-se a chegar ao fim do ciclo do regime. Claramente é isso.
DW África: E aumenta também o financiamento para a polícia. O que é que isto poderá indicar?
RV: Quer indicar claramente que o Governo pretende sobreviver à custa da repressão e tem medo de um levantamento do estilo "Primavera Árabe", porque as redes sociais em Angola estão extremamente ativas. Basta um pequeno incidente para haver um levantamento e obviamente tem de haver uma atenção reforçada da segurança. E é disso que o Governo tem medo.
DW África:Num artigo que publicou recentemente no portal Maka Angola também alertou para outros perigos como a suspensão da execução de projetos de investimento em curso, como o novo Aeroporto Internacional de Luanda, e a paralisação da própria administração pública angolana. O que é que isto poderá representar?
RV: Poderemos estar à beira de o país ficar totalmenteparado, sem dinheiro para os funcionários públicos, sem dinheiro para projetos, sem dinheiro para nada. Há esse perigo. As receitas do petróleo neste momento representam apenas um quarto do Orçamento Geral do Estado. O restante tem que ser arranjado num outro lugar qualquer e em Angola não há propriamente muitos lados para ir buscar esse dinheiro que falta.
DW África: E onde é que o Governo pode ir buscar dinheiro para compensar o baixo preço do petróleo? É realista esperar receitas de impostos não petrolíferos em Angola?
RV: Isso claramente não é realista. Seria realista se a economia estivesse com um crescimento previsível grande, que não tem porque o crescimento é entre 0% e 1%. Onde pode ir buscar é pedir emprestado ou então começar a pôr processos aos mais ricos para devolverem o dinheiro que retiraram no passado. Mas, enfim, essa é uma hipótese de cariz diferente. Em termos técnicos, o que podem fazer é pedido emprestado
DW África: Mas pedir mais empréstimos certamente também não seria bom para a economia angolana…
RV: Não é porque já estão a ocupar uma percentagem muito grande de despesa.
DW África: Então, Angola poderá estar num beco sem saída?
RV: Está precisamente num beco sem saída.
Foto: DW/J. Carlos
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".