Analista considera que novo mandato de João Lourenço como Presidente é a derradeira oportunidade para a "democratização" de Angola. E alerta para "enorme incógnita" face a novo posicionamento sobre a guerra na Ucrânia.
Em entrevista à DW África, a jornalista Ana Maria Simões diz que os próximos cinco anos serão derradeiros para o Presidente.
DW África: Que novidades concretas trará João Lourenço neste segundo mandato?
Ana Maria Simões (AMS): É muito curioso, porque, antes de mais, estamos perante uma enorme incógnita. Teremos que ver primeiro como é que as coisas correm no plano interno e no plano externo. Ou seja, como é que o conflito na Ucrânia e todos estes novos posicionamentos geoestratégicos vão ter influência em Angola. Portanto, eu diria, para já, que tudo é uma enorme incógnita.
Analisando aquilo que nos é dado a ver, as tropas na rua e estes movimentos um bocadinho mais intimidatórios podem ser muito pontuais ou podem ser reflexo daquilo que vai ser o segundo mandato. O Presidente Lourenço não terá um outro mandato; ele esgota-se neste segundo mandato, porque não pode mudar a Constituição. Portanto, estes cinco anos são uma espécie de tudo ou nada para João Lourenço. Ele pode ser o grande protagonista da democratização e da abertura do país, porque, com todos os defeitos, ele fez isso no primeiro mandato: assistimos, de facto, a uma abertura do país à sociedade civil e a outras formas de expressão, embora com os vícios do passado, com uma comunicação social muito instrumentalizada. Mas, na verdade, ele abriu a sociedade angolana. As redes sociais também ampliaram essa abertura e hoje temos uma outra sociedade.
DW África: No seu discurso, o Presidente voltou a falar no combate à corrupção. É uma realidade ou uma utopia?
AMS: Ele não falou com a mesma veemência do combate à corrupção que fez, por exemplo, no primeiro discurso inaugural. Não fez. Aliás, o seu primeiro discurso inaugural foi muito mais forte do ponto de vista político. Eu diria que este foi dos discursos mais fracos que já vi o Presidente Lourenço fazer até agora. Desde setembro de 2017, ele fez uma série de discursos com uma mensagem política muito forte, até para dentro do partido, e este discurso foi muito brando. Foi o replicar dos discursos da campanha, foi mais do mesmo. Portanto, até sobre o combate à corrupção ele falou de passagem.
DW África: O discurso ficou marcado pelo apelo à Rússia para que ponha fim ao conflito na Ucrânia. O que acha destas declarações de João Lourenço?
AMS: Acho que são as declarações mais surpreendentes do discurso dele. Até agora, Angola tem mantido uma neutralidade razoável, à semelhança de muitos países africanos. Mas hoje, curiosamente, o Presidente João Lourenço veio imputar a Putin a responsabilidade da guerra e do conflito. Veio responsabilizar Putin. Isso parece-me das coisas mais claras e mais surpreendentes no discurso dele.
DW África: João Lourenço diz que Angola tem uma boa imagem a nível internacional. Concorda?
AMS: Há sentimentos contraditórios, e nós vimos isso com a morte de José Eduardo dos Santos. Nós vimos múltiplos artigos escritos sobre Angola, desde o Washington Post, ao New York Times, Wall Street Journal, The Guardian ou Economist. Vimos a imprensa internacional falar do caso e não falou em termos muito simpáticos. Continua a dizer que Angola é um país corrupto, com taxas de pobreza terríveis.
Apesar de ser um país muito rico em petróleo, tem 80% da sua população a viver em níveis de pobreza. Há a perceção de que algo mudou em Angola, mas a perceção global que se tem do país ainda não é assim tão positiva. Independentemente das agências estarem a subir os índices de rating, acho que há um certo otimismo por parte do Presidente. Angola ainda não conseguiu convencer o mundo que não é a Angola da era de José Eduardo Santos, com poucos ricos e muitíssimos pobres.
Angola: As eleições em imagens
Esta quarta-feira é dia de Angola decidir quem será o próximo Presidente e os deputados da Assembleia Nacional. A DW compilou as imagens desta manhã de eleições, no dia em que 14 milhões de angolanos vão às urnas.
Foto: Adolfo Guerra/DW
Longas filas no dia de decidir
As mesas de voto só abriram às 07h00, mas as filas para votar nas eleições mais disputadas de sempre em Angola começaram a formar-se bem cedo. Cabe aos eleitores decidir se "a força do povo" continua do lado do MPLA, mantendo no poder o partido que governa o país desde a independência, ou se dizem "sim" ao apelo de mudança da oposição liderada pela UNITA.
Foto: John Wessels/AFP
Oito partidos na corrida
Além dos rivais Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), concorrem Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), Partido de Renovação Social (PRS), Aliança Patriótica Nacional (APN), Partido Nacionalista para a Justiça (P-NJANGO), Partido Humanista de Angola e a coligação Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE).
Foto: António Cascais/DW
Madrugar para votar
Aos 79 anos, Adélia Namalange exerce hoje o seu direito de voto pela quinta vez. A idosa chegou às 5h00 à assembleia de voto número 9658, no município do Lobito, em Benguela, e esperou duas horas pela abertura das urnas, no dia que 14 milhões de angolanos decidem o futuro político do país.
Foto: Daniel Vasconcelos/DW
João Lourenço apela ao voto: "É Angola que ganha"
"Acabámos de exercer o nosso direito de voto, é rápido e é simples", disse João Lourenço, na assembleia de voto n.º 105, em Luanda, convidando os eleitores a fazerem o mesmo. No meio de uma enorme confusão de jornalistas que queriam registar o momento, o candidato do MPLA salientou que todos saem a ganhar: "É a democracia que ganha, é Angola que ganha."
Foto: AP Photo/picture alliance
Adalberto Costa Júnior critica processo
O líder da UNITA votou no bairro 28 de Agosto, em Luanda, onde foi fortemente aplaudido pelos eleitores presentes. "Fiquei satisfeito e votei no meio do meu povo e constatei que a votação está a ser feita sem cadernos eleitorais aos fiscais, apenas um caderno eleitoral na mesa", afirmou Adalberto Costa Júnior, que defendeu mais uma vez a afixação dos resultados nas assembleias de voto.
Foto: John Wessels/AFP
Manuel Fernandes "plenamente" confiante na vitória
Manuel Fernandes, o candidato da coligação Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), votou esta manhã no Bairro Militar, em Talatona, Luanda. Depois de votar, manifestou "plena confiança" no resultado eleitoral do atual terceiro partido com mais assentos no parlamento angolano.
Foto: Borralho Ndomba/DW
"Grande expetativa" de Nimi Ya Simbi é ganhar eleições
Nimi Ya Simbi, candidato da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), votou em Viana, um dos mais populosos municípios de Luanda. Minutos depois, Nimi disse que a sua "grande expetativa é ganhar as eleições." O líder da FNLA acredita que o seu partido "vai vencer" as eleições, "porque quem vai para o combate não vai para perder", tendo enaltecido o cumprimento do seu dever cívico.
Foto: Nelson Francisco Sul/DW
Benedito Daniel exorta à afixação das atas
O candidato do Partido de Renovação Social (PRS) exerceu o seu direito de voto no Instituto Superior Politécnico do Bita, em Luanda. Após votar, Benedito Daniel manifestou um "sentimento de alegria e de dever cumprido", exortando à afixação das atas sínteses nas assembleias. Disse também esperar que a CNE possa corresponder às expetativas dos eleitores.
Foto: DW/M. Luamba
Bela Malaquias insite em "humanizar" Angola
A líder do Partido Humanista de Angola (PHA), Florbela Malaquias, manifestou um "sentimento de realização" após votar e reiterou a promessa de humanizar Angola, "que se encontra completamente desumanizada em todos os sentidos", sublinhou a única mulher a liderar um partido político em Angola, depois de votar no bairro do Maculusso, distrito urbano da Ingombota, em Luanda.
Quintino Moreira, líder da Aliança Patriótica Nacional (APN), sem assento no Parlamento angolano, manifestou-se "otimista" em relação à obtenção de uma "bancada parlamentar vasta", para que não haja maiorias absolutas na "casa das leis", afirmou esta manhã, depois de depositar o seu voto numa assembleia de voto, em Talatona, perto da capital angolana.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Dinho Chingunji contra "Votou, Sentou"
O candidato do Partido Nacional para a Justiça em Angola (P-Njango) considerou hoje as eleições como "ocasião soberana" para escolha dos governantes e exortou os eleitores a esperarem os resultados em casa, contrariando o movimento "Votou, Sentou". Chingunji, que votou no município do Kilamba Kiaxi, em Luanda, exortou "os cidadãos a regressarem para as suas casas e a esperar pelos resultados".
Foto: Borralho Ndomba/DW
CNE diz que está tudo a funcionar
A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) anunciou que as 13.238 assembleias de voto espalhadas pelos 164 municípios angolanos "estão abertas e em perfeito funcionamento" e "não há registo de qualquer incidente" que possa beliscar a votação. Também foram constituídas 45 mesas de voto no estrangeiro, para as quais foram recrutados 105.952 membros.
Foto: António Cascais/DW
UNITA denuncia irregularidades no Bengo
No Bengo, a UNITA chamou os jornalistas para denunciar supostas irregularidades na votação. De acordo com o partido do "galo negro", a CNE local está a proibir que os delegados de lista suplentes exerçam o direito de voto nas assembleias para as quais estão destacados, contrariando, desta forma, uma circular da própria Comissão Nacional de Eleições.
Foto: António Ambrósio/DW
Queixas de eleitores em Cabinda
A votação em Cabinda está a decorrer com alguma normalidade, mas com várias queixas por parte dos eleitores que dizem desconhecer as suas mesas de voto. Os cidadãos são obrigados a percorrer longas distâncias para votar, já que foram colocados em pontos longínquos da província e da capital. E há delegados de lista de partidos que não foram credenciados.
Foto: Simão Lelo/DW
Delegados monitorizam processo
Delegados de lista dos partidos políticos controlam o processo de votação no Bairro da Cuca, em Luanda, a capital. Durante a campanha eleitoral, o polémico movimento "Votou, Sentou", propalado por alguns partidos e membros da sociedade civil, também pediu aos eleitores para permanecerem nas imediações das assembleias de voto.
Foto: Manuel Luamba/DW
O voto da diáspora em Portugal
O ator Daniel Martinho, a viver há cerca de 40 anos em Portugal, foi ao Consulado Geral de Angola em Lisboa votar, feliz por ser a primeira vez que foi dada à comunidade radicada no exterior a possibilidade de exercer o direito de voto. "Era uma aspiração que nos incomodava", contou à DW. "É uma forma de contribuirmos para um país melhor, porque nós na diáspora também fazemos Angola", precisou.