Salários dos deputados angolanos serão ajustados, mas salário mínimo não engordará, pelo menos para já. O caso dos deputados é questionado neste contexto de crise económica e de implementação de medidas de austeridade.
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O Parlamento aprovou esta semana um ajuste de 5% nos salários-base dos 220 deputados. Os parlamentares alegam a necessidade de se reajustar osalário-base, nos termos da lei do Orçamento Geral do Estado (OGE), ainda de 2017 e argumentam que é em função dos níveis de depreciação da moeda nacional, o kwanza.
O deputado da CASA-CE, a segunda maior força da oposição, Manuel Fernandes esclarece que "não houve aumento de 5% de forma exclusiva para os deputados, o que aconteceu foi apenas o cumprimento de uma norma, de um decreto presidencial que ditava o aumento de salário da função pública e a Assembleia Nacional já o havia feito ao nível dos funcionários."
E Fernandes sai em defesa dos seus pares: "Entendemos que era altura de os deputados também poderem repôr a tal capacidade de compra do salário que apenas havia sido ajustada ao nível de 5% na função pública e que era a vez dos deputados."
Separação da gestão orçamental na origem do paradoxo
O constitucionalista angolano Albano Pedro explica que esse reajustamento encontra fundamento no facto de haver uma separação de programas orçamentais: "Um orçamento da Assembleia Nacional e outro do Executivo. É claro que da parte da administração pública, que é a maior parte da base de consumo ou de despesa do OGE, vai sair prejudicado. Portanto, o paradoxo explica-se por essa separação na gestão orçamental."
O Parlamento é uma unidade autónoma que gere o seu próprio orçamento.
Pedro critica dizendo que "não passa de um mero ajustamento que se acresce a um salário que já é normalmente alto. Sabemos que existem muitas despesas acrescidas a condição dos deputados que são cobertos pelos salários."
E o analista dá exemplos: "Basta saber que na Assembleia Nacional funcionam dois restaurantes de luxo e fazer uma refeição neles não deve ser barato. Portanto, há aí um conjunto de luxos que os deputados há um bom tempo organizaram para si mesmos e têm autonomia para votar sobre esses aumentos."
Bom senso: sim ou não?
Este reajustamento salarial acontece numa altura em que o Presidente João Lourenço fez saber que o aumento do sálario mínimo, que é magro, não será para já, embora esteja previsto. Além disso Lourenço anunciou também que o seu Governo vai retirar os subsídios de eletricidade, água e combustível, o que tornará a vida dos mais carenciados ainda mais penosa.
Angola: Falta bom senso no reajuste salarial dos deputados?
E o país vive uma grave crise económica. Não pedirá este contexto bom senso, principalmente aos deputados? O deputado da CASA-CE socorre-se de uma comparação para responder: "Eu não sei porque seria bom senso a nível dos deputados se a nível de outros setores não, do próprio Executivo os auxiliares dos titulares do poder Executivo ajustaram os seus 5% porque os deputados, que até ganham mal, se tivermos em conta o custo de vida e o que os deputados recebem..."
Já Albano Pedro defende, sim, que prevaleça o bom senso neste momento que se implementam medidas de austeridade.
E o constitucionalista cita um um princípio jurídico para argumentar: "Penso que este bom senso deveria ser mesmo dos deputados, de tentarem ajustar-se as próprias medidas de austeridade que estão a ser tomadas pelo Executivo."
"Isso seria a solidariedade institucional, um princípio que existe na nossa ordem jurídica, que obriga os órgãos todos, sejam eles de soberania ou não, que se solidarizem em prol do interesse público. E por essa via a Assembleia Nacional deveria obviamente ajustar as suas despesas em função da realidade que vivemos. Seria isso bom senso, um bom senso", conclui o constitucionalista.
Pobreza no meio da riqueza no sul de Angola
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul do país. A região é assolada por uma seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser pobres neste ano. Muitos angolanos passam fome.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Sobras da guerra civil
A guerra civil (1976 -2002) grassou com particular violência no sul de Angola. Aqui, o Bloco do Leste socialista e o Ocidente da economia de mercado livre conduziram uma das suas guerras por procuração mais sangrentas em África. Ainda hoje se vêm com frequência destroços de tanques. A batalha de Cuito Cuanavale (novembro de 1987 a março de 1988) é considerada uma das maiores do continente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Feridas abertas
O movimento de libertação UNITA tinha o seu baluarte no sul do país, e contava com a assistência do exército da República da África do Sul através do Sudoeste Africano, que é hoje a Namíbia. Muitas aldeias da região foram destruídas. Mais de dez anos após o fim da guerra civil ainda há populares que habitam as ruínas na cidade de Quibala, no sul de Angola.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Subnutrição apesar do crescimento económico
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul. A região sofre de seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser más no ano 2013. Muitos angolanos não têm o suficiente para comer. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) diz que nos últimos anos pelo menos um quarto da população passou fome durante algum tempo ou permanentemente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
O sustento em risco
Dado o longo período de seca, a subnutrição é particularmente acentuada nas províncias do sul de Angola, diz a FAO. As colheitas falham e a sobrevivência do gado está em risco. Uma média de trinta cabeças perece por dia, calcula António Didalelwa, governador da província de Cunene, a mais fortemente afetada. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também acha que a situação é crítica.
Foto: DW/A. Vieira
Semear esperança
A organização de assistência da Igreja Evangélica Alemã “Pão para o Mundo” lançou um apelo para donativos para Angola na sua ação de Advento 2013. Uma parte dos donativos deve ser reencaminhada para a organização parceira local Associação Cristã da Mocidade Regional do Kwanza Sul (ACM-KS). O objetivo é apoiar a agricultura em Pambangala na província de Kwanza Sul.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Rotação de culturas para assegurar mais receitas
Ernesto Cassinda (à esquerda na foto), da organização cristã de assistência ACM-KS, informa um agricultor num campo da comunidade de Pambangala, no sul de Angola sobre novos métodos de cultivo. A ACM-KS aposta sobretudo na rotação de culturas: para além das plantas alimentícias tradicionais como a mandioca e o milho deverão ser cultivados legumes para aumentar a produção e garantir mais receitas.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Receitas adicionais
Para além de uma melhora nas técnicas de cultivo, os agricultores da região também são encorajados a explorar novas fontes de rendimentos. A pequena agricultora Delfina Bento vendeu o excedente da sua colheita e investiu os lucros numa pequena padaria. O pão cozido no forno a lenha é vendido no mercado.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Escolas sem bancos
Formação de adultos na comunidade de Pambangala: geralmente os alunos têm que trazer as cadeiras de plástico de casa. Não é só em Kwanza Sul que as escolas carecem de equipamento. Enquanto isso, a elite de Angola vive no luxo. A revista norte-americana “Forbes” calcula o património da filha do Presidente, Isabel dos Santos, em mais de mil milhões de dólares. Ela é a mulher mais rica de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Investimentos em estádios de luxo
Enquanto em muitas escolas e centros de saúde falta equipamento básico, o Governo investiu mais de dez milhões de euros no estádio "Welvitschia Mirabilis", para o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins 2013, na cidade de Namibe, no sul de Angola. Numa altura em que, segundo a organização católica de assistência “Caritas Angola” dois milhões de pessoas passaram fome no sul do país.
Foto: DW/A. Vieira
Novas estradas para o sul
Apesar dos destroços de tanques ainda visíveis, algo melhorou desde o fim da guerra civil em 2002: as estradas. O que dá a muitos agricultores a oportunidade de venderem os seus produtos noutras regiões. Durante a era colonial portuguesa, o sul de Angola era tido pelo “celeiro” do país e um dos maiores produtores de café de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Um futuro sem sombras da guerra civil
Em Angola, a papa de farinha de milho e mandioca, rica em fécula, chama-se “funje” e é a base da alimentação. As crianças preparam o funje peneirando o milho. Com a ação de donativos de 2013 para a ACM-KS, a “Pão para o Mundo” pretende assegurar que, de futuro, os angolanos no sul tenham sempre o suficiente para comer e não tenham que continuar a viver ensombrados pela guerra civil do passado.