Angola: Famílias aguardam justiça pelo massacre no Namibe
Anselmo Vieira (Lubango)
5 de janeiro de 2018
Precisamente há 25 anos, a província angolana do Namibe foi palco de um massacre. Mais de 600 pessoas terão morrido em Moçâmedes e Tombwa, na onda de repressão governamental que se seguiu às eleições de 1992.
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Vinte e cinco anos depois do massacre no Namibe, as memórias dos sobreviventes não se apagam. Justino Titinho conseguiu escapar com vida à repressão do dia 5 de janeiro de 1993. Nesse dia, terão sido assassinadas mais de 600 pessoas na capital da província do Namibe, Moçâmedes, e na zona piscatória do Tombwa.
Justino Titinho perdeu muitos familiares, amigos e vizinhos nesse dia, que não gosta de recordar: "A memória é triste, é dolorosa, existem valas comuns tanto aqui no município de Moçâmedes assim como no Tombwa, mas graças a Deus hoje estou a falar como sobrevivente do 5 de janeiro. Aqueles que puderam sobreviver conseguiram sair deste prédio, por volta das cinco horas do dia 5 de janeiro, passaram pela cidade e conseguiram transpor o deserto. Ainda tenho a memória dos companheiros que neste prédio perderam a vida."
Justino Titinho fugiu então para o município de Quilengues, na província da Huíla. A viagem foi longa e ele recorda: "A caminhada foi dolorosa, foi difícil. Levamos 12 dias até chegarmos à comuna do Dinde e aí tivemos que parar uns cinco, seis dias para recuperarmos forças e ganhar algumas energias e avançar para Quilengues."
José Gavino, de 45 anos de idade, é outro sobrevivente e contou à DW África que recebeu uma comunicação de noite para abandonar a sua casa por estar numa "lista negra".
Na altura, era agente da Polícia Nacional. Foi torturado, juntamente com a sua esposa: "Fui algemado, a minha esposa na altura tinha acabdo de dar a luz e apanhou umas boas coronhadas. Fomos levados de uma forma muito desumana num camião diretamente para o comando provincial da polícia e no dia seguinte fomos levados para Saco-Mar (Namibe), onde estivemos presos durante 30 dias."
Mortes por asfixia
Angola: Famílias aguardam justiça pelo massacre no Namibe
Embora não seja conhecido o número exato de vítimas, calcula-se que o maior número de mortes tenha ocorrido no município do Tombwa. Segundo José Gavino, "fala-se que mais de 200 e tal pessoas foram colocadas num contentor. Muita gente então morreu asfixiada. Eu perdi quatro primos, irmãos, três tios e outros parentes que não tinham nenhuma filiação política, só porque tinham talvez algumas contradições com alguns agentes da polícia, com vizinhos isto lhes levou a vida."
O jornalista José Armando Chicoca, que na altura era editor na Emissora Provincial do Namibe, pertencente ao grupo Rádio Nacional de Angola, lembra que a sua família só sobreviveu graças à intervenção de um vizinho: "Eu era imparcial, era neutro, mas infelizmente pelo facto de ser umbundu, fui também atacado dia 5 de Janeiro de 1993 de madrugada. Introduziram-se no interior da minha casa, queriam fuzilar a minha esposa e os meus filhos."
Massacre tribal?
José Armando Chicoca, que foi depois proibido de entrar na Rádio Namibe, fala num massacre tribal. "Todos os ovimbundus aqui no Namibe foram atingidos e aquilo foi um massacre que podemos dizer que foi tribal, tudo que é umbumdu tinha de ser dizimado, eu conheço alguns juízes foram espancados, alguns padres foram espancados, tenho familiares que morreram nos contentores no Tombwa e foram enterrados numa vala comum, aqui no Namibe. Também tenho familiares que foram assassinadas neste mesmo dia."
Os familiares exigem há muito um enterro condigno das vítimas. José Gavino pede às autoridades que passem certidões de óbito "para que estas pessoas sejam choradas, sejam identificadas num sítio que é ali onde estão os restos mortais destes nossos parentes."
Contactadas pela DW África, as autoridades governamentais da província do Namibe negaram-se a falar sobre o assunto.
Dez anos de paz em Angola
No dia 4 de Abril de a 2002 foi assinado o acordo de paz entre o governo do MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola - e a UNITA - União Nacional para a Independência Total de Angola - , as duas formações políticas que mais influência tinham e têm no país. Dez anos depois, o que como está o país em termos de democracia, desenvolvimento humano, económico e social?
Foto: AP
À terceira foi de vez
A 4 de abril de 2002, o chefe das forças armadas do governo do MPLA, General Armando da Cruz Neto (esq.), e o chefe do estado-maior da UNITA, General Abreu Muengo Ukwachitembo Kamorteiro, trocam o acordo de paz assinado na Assembleia Nacional, em Luanda. Foi o terceiro acordo entre estas duas frações da guerra civil em Angola depois de Bicesse (Portugal) em 1991 e Lusaka (Zâmbia) em 1994.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb
Como tudo começou
A guerra começou com a luta contra o poder colonial. Em 1961 vários grupos lutaram contra os portugueses. O MPLA, apoiado pela ex-União Soviética e por Cuba foi um desses grupos, assim como a UNITA que, inicialmente, teve o apoio da China, e a FNLA que teve o apoio de Mobuto Sese Seko, na altura presidente do então Zaire. Na foto: soldados portugueses em Angola no ano de 1961.
Foto: AP
Guerra entre iguais
Após a saída dos portugueses e a independência formal, a 11 de novembro de 1975, os três movimentos de libertação MPLA, UNITA e FNLA entraram em conflito. O MPLA de orientação marxista contou com apoio soviético e cubano. A UNITA recebeu apoio dos Estados Unidos da América e de tropas sul-africanas.
Foto: picture-alliance/dpa
Refugiados de guerra
Segundo dados do ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mais de 600 mil angolanos refugiaram-se no estrangeiro e cerca de 4 milhões dispersaram-se pelas regiões do próprio país. Na fotografia: refugiados angolanos num acampamento próximo do Huambo no ano de 1999.
Foto: picture-alliance / dpa
Retirada dos soldados cubanos
O general cubano Samuel Rodiles, o general brasileiro Péricles Ferreira Gomes, chefe de um grupo de observadores da ONU e o general angolano Ciel Conceição, a 10 de janeiro de 1989 (da esq. a dt.). Dia em que os primeiros três mil soldados cubanos sairam do país. A retirada foi fixada num acordo assinado em 1988, entre a África do Sul, Cuba e Angola. Cuba orientava o MPLA militarmente desde 1975.
Foto: picture-alliance/dpa
Apoio da ex-República Democrática da Alemanha ao governo do MPLA
O Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, visitou no dia 14 de outubro de 1981 o Muro de Berlim do lado da Alemanha Oriental (RDA). Na Porta de Brandemburgo, recebeu as saudações das tropas de fronteira da República Democrática da Alemanha do Tenente-General Karl-Heinz Drews.
Foto: Bundesarchiv
Primeira tentativa falhada em 1991 e 1992
Depois do acordo de paz de Bicesse (Estoril, Portugal) de 1991, realizaram-se as primeiras eleições presidências do país em 1992. O candidato do MPLA, José Eduardo dos Santos, saiu vencedor, mas sem maioria absoluta na primeira volta. Jonas Savimbi, o líder da UNITA, não aceitou o resultado e nunca chegou a haver uma segunda volta das eleições. A guerra continuou.
Foto: dapd
Segunda tentativa falhada em 1994
Depois do acordo falhado de Bicesse (Portugal) de 1991, houve uma segunda tentativa em Lusaka, na Zâmbia, no ano de 1994. O presidente da Zâmbia, Frederick Chiluba (centro), levanta as mãos do presidente angolano, José Eduardo dos Santos (esq.), e do chefe do movimento de guerrilha UNITA, Jonas Savimbi. Eles celebram o protocolo de Lusaka, mas o país acabou por entrar novamente em guerra.
Foto: picture-alliance/dpa
A morte de Jonas Savimbi
Fevereiro de 2002: Jonas Savimbi, o líder da UNITA, é morto pelos soldados governamentais no leste de Angola. Com a morte da pessoa, que era considerada a mais carismática da oposição em Angola, abriu-se uma nova oportunidade para a paz.
Foto: AP
Paz sem satisfação
Desde 2011 jovens saem às ruas, um pouco por todo o país, para protestar contra os 32 anos de governo do MPLA. Exigem eleições livres e transparentes e o fim do governo de José Eduardo dos Santos. Na imagem: manifestantes em Benguela.
Foto: DW
Petróleo e pobreza
Após 10 anos de paz, petróleo e pobreza abundam no país. De acordo com as Nações Unidas, o petróleo representa 96% das exportações do país. No entanto, de acordo com o Banco Mundial, em 2010, uma em seis crianças morria nos primeiros cinco anos de vida e grande parte da população angolana continua a viver na pobreza. (Autora: Carla Fernandes; Edição: Johannes Beck)