As famílias estão indignadas com a decisão do Tribunal Constitucional que absolveu o mandante da morte dos ativistas e reduziu a pena de outros réus. Queixam-se ainda do não pagamento da indemnização.
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Os familiares dos ativistas Alves Kamulingue e Isaías Cassule prometem realizar, nos próximos dias, uma manifestação à porta da Procuradoria-Geral da República.
"A mãe de Cassule ordenou para se fazer uma manifestação ao lado da Procuradoria-Geral da República, na portaria. Quando anunciámos a realização de manifestação a primeira vez, ainda não tínhamos reunido as condições, mas já estão criadas", afirmou Adão Cassule, parente de um dos ativistas raptados e assassinados em 2012.
Adão Cassule mostra-se surpreendido e decepcionado com a decisão do Tribunal Constitucional. "Estou muito desmoralizado com este caso, porque o tribunal não deveria decidir assim. Não sentaram com as famílias. Só escutámos pelo noticiário que o suspeito [pela morte] de Cassule foi absolvido", lamentou.
Em maio de 2015, a justiça angolana tinha decidido pela indemnização dos familiares em cinco mil euros. Mas, há dois anos que o Estado não cumpre com a sua obrigação. O jurista Mamzambi André lembra que os agentes condenados estavam ao serviço do Estado e apela, por isso, ao cumprimento da obrigação.
"Existe uma coisa que se chama em direito de responsabilidade do cometente e do comissário, ou seja, os envolvidos neste caso eram funcionário do Estado, estavam ligados aos serviços de segurança. Tendo agido nestas vestes, o Estado tem a obrigação de indemnizar os familiares das vítimas", garantiu o jurista Mamzambi André.
De uma pena de 20 anos de prisão à absolvição
Alves Kamulingue e Isaías Cassule foram assassinados, depois de terem sido raptados na via pública em Luanda, em maio de 2012, quando tentavam organizar uma manifestação de veteranos e desmobilizados contra o Governo.
António Manuel Gamboa Vieira Lopes, que à data do crime era delegado provincial de Luanda do Serviço de Inteligência e de Segurança do Estado, foi condenado a 17 anos de prisão efetiva, em 2015, na primeira instância, pelo Tribunal Provincial de Luanda.
Angola: familiares de Cassule e Kamulingue prometem protesto
Viu depois a pena ser agravada para 20 anos pelo Tribunal Supremo. O agravamento da condenação aplicou-se também aos restantes seis implicados, condenados a penas entre 14 a 17 anos de prisão.
No entanto, em resposta a um recurso apresentado por António Manuel Gamboa Vieira Lopes, o Tribunal Constitucional decidiu, a 26 de outubro, pela absolvição. O plenário de juízes concluiu que, na análise do processo na primeira e segunda instâncias, "não existem nos autos elementos de prova que, com certeza, apontem a responsabilidade" do antigo responsável dos serviços secretos "como autor moral do crime por que foi condenado".
"Existindo sobejas dúvidas de que o recorrente tenha sido o autor moral, deve aplicar-se a regra do 'in dubio pro reo' [em caso de dúvida, favorece-se o réu], corolário essencial do princípio da presunção de inocência", lê-se na decisão judicial.
A instância de justiça alega que não existem provas para que continuasse a cumprir a pena. "O Tribunal Constitucional também decidiu reduzir as penas que tinham sido aplicadas aos demais réus, porque entendeu que a decisão do Supremo violou um princípio. Quando se interpõe recurso não se pode aplicar uma pena superior àquela contra a qual foi recorrida", explicou o jurista Manzambi André.
A decisão do Tribunal Constitucional não é passível de recurso. A DW África tentou ouvir a Procuradoria-Geral da República e o advogado de defesa de Cassule e Kamulingue, mas sem sucesso.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".