A oposição denuncia aquilo que diz ser o favorecimento do partido no poder, o MPLA, nos média. Cidadãos criticam a atuação menos profissional de alguns jornalistas e pedem maior profissionalismo.
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O ponto quatro do artigo 17 da Constituição angolana sobre os partidos políticos consagra o direito ao tratamento imparcial por parte da imprensa pública, príncipio que também encontra suporte na lei de imprensa que fala de tratamento igual para todos os partidos políticos.
Mas os cidadãos e políticos no Kuando Kubango denunciam o que consideram ser a violação sistemática da lei e criticam a atuação dos órgãos públicos de comunicação social no tratamento de matérias da oposição.
"Quando se dá 20 minutos ao MPLA também de deve dar 20 minutos à UNITA e a outros partidos concorrentes", considera Cardoso Tchicussungama, cidadão e residente em Menongue.
"A própria comunicação social tem um papel muito importante neste processo na difusão daquilo que realmente tem acontecido ao longo do tempo, porque esta é uma questão de atualidade. Quando não acontece, é um problema sério: o cidadão fica desatualizado da situação e não saberá como será o processo", explica.
"Os órgãos de comunicação social na província neste momento precisam mesmo de ir à rua [ao encontro das comunidades e cidadãos]", sugere.
Falta de isenção e independência
Francisco Gaio Kakoma, secretário provincial da UNITA, maior partido da oposição em Angola, crítica a falta de isenção e independência na cobertura das atividades do seu partido em detrimento do partido no poder, o MPLA.
"Infelizmente a [comunicação social] estatal nunca mostrou que fizesse uma comunicação isenta, plural e para todos. Como estes poderão contribuir para a estabilização do país? Isto retarda significativamente aquilo que deveria ser o seu papel de aconselhar e de ajudar os cidadãos a compreender que estamos num país democrático", comenta.
O também deputado pela bancada parlamentar da UNITA apela à Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA) que fiscalize e tome medidas sem distinção no cumprimento das leis, principalmente em fase eleitoral.
"Espero que a ERCA tome medidas (...). Sejam profissionais", advertiu.
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Propaganda ao Governo
Marcolino Chiungue, jornalista da Rádio Ecclesia no Kuando Kubango, afirma que os órgãos de comunicação social públicos têm servido para propagandear a favor da permanência do MPLA no poder.
"Imparcialidade é uma questão que se coloca em época eleitoral. Nós conseguimos ver, pelo menos nas últimas eleições em 2017, que houve um tratamento igual dos partidos políticos, mas agora a imparcialidade no período pós-eleitoral já é uma questão que nós sabemos que não é cumprida", alerta o repórter.
Ardinas angolanos criticam parcialidade na imprensa
01:20
"Os partidos políticos são tratados de forma desigual. A comunicação social angolana também tem várias dificuldades. Padece de muitos problemas, começando pela ERCA e pelo próprio Ministério da Comunicação [Social]", sublinha.
O jornalista entende que os órgãos que cumprem a lei são os meios privados, colocando em risco as vidas dos seus profissionais.
"Os poucos órgãos de comunicação social que incentivam a promoção da imparcialidade são os privados. (...) A lei de imprensa prevê uma coisa, mas quase a maior parte dos órgãos de comunicação social caminham em contramão", conclui Marcolino Chiungue.
Em setembro, o secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas angolano, Teixeira Cândido, reconheceu num evento público em Luanda não haver tratamento imparcial de assuntos diversos e denunciou a promoção absurda do Governo por parte da imprensa. Na altura, o responsável sublinhou que os jornalistas devem recorrer a cláusulas de consciência para não cumprir as chamadas ordens superiores.
A DW África tentou ouvir sem sucesso alguns órgãos de comunicação social públicos na província.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.