25 por cento do petróleo refinado de Angola é contrabandeado, segundo o presidente da Associação Industrial de Angola. José Severino alertou ainda que a situação pode estar a beneficiar rebeldes na RDC.
Publicidade
Em entrevista à DW África, José Severino, que é igualmente membro do Conselho da República, explicou como tem funcionado a rede de traficantes que há vários anos tem vindo a contrabandear o petróleo angolano para a vizinha República Democrática do Congo (RDC): "Os combustíveis no nosso país ainda são subsidiados. E, sendo subsidiados, quem os compra internamente em moeda nacional tem a propensão, e conhecendo o mercado do Congo, em vender os combustíveis a compradores do lado de lá. Como esta atividade não está licenciada ela é feita de forma contrabandeada."
O presidente da Associação Industrial de Angola (AIA) lembra ainda que "Angola, que hoje tem uma situação cambial relativamente difícil, vê milhões e milhões de dólares, grosso modo, na presunção de 300 milhões de dólares de combustíveis, serem encaminhados para RDC por vias ilegais. Porque a RDC outra forma de combustível sobretudo nas zonas vizinhas de Angola."
Além dos danos que tal situação provoca à economia, Severino afirmou, por outro lado, que é urgente que as autoridades angolanas ponham fim ao contrabando do petróleo angolano para o mercado negro congolês, sob pena de se colocar em causa a segurança e a soberania do país: "Onde há contrabando há sempre atividades ilícitas que depois obrigam o próprio Estado a ter sistemas de defesa de questões de soberania, como é o aumento de efetivo de polícia, aumento de tropa de guarda-fronteira e, às vezes, até mesmo com recurso a defesa. Porque soberania tem de ser acautelada e defendida. Isto traz uma série de pesos à economia, perdas cambiais”.
Fim do monopólio da Sonangol-Distribuidora é a solução
Outra hipótese não colocada de parte é a possibilidade do petróleo contrabandeado para a fronteira do Congo Democrático estar a beneficiar grupos rebeldes no país vizinho. Por essa razão, José Severino defende o fim do monopólio na exportação dos combustíveis pela Sonangol Distribuidora, subsidiária da petrolífera angolana vocacionado na distribuição de refinados do país.
Peça Petroleo Angolano Contrabandeado na RDC - MP3-Mono
Segundo José Severino, "não estão licenciados, essa é que a questão. Como não se dá licença e os lucros são extremamente elevados, a tendência desses operadores mais ávidos e porque há pressão na procura do lado da RDC leva a que naturalmente este negócio esteja a fluir" e o presidente da AIA exemplifica: "É só ver os camiões que passam para o leste com a presunção que vão abastecer as províncias do leste e que vão abastecer a nossa indústria diamantífera, mas muito e muito longe disso.”
Entretanto, o analista político e especialista em relações internacionais Augusto Báfua-Báfua entende que devido a fragilidade das fronteiras, Angola tem uma única saída: "Só há uma forma de combater essa situação, que é Angola fazer uma acordo com a República Democrática do Congo e fazer uma venda de produtos refinandos a um preço igual ou um pouco mais alto do que o que consumimos internamente. Esta era única forma de evitar o contrabando. Porque caso contrário continuaremos a reclamar, mas nunca conseguiremos fazer o combate.”
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".