Há ainda muitas zonas de penumbra na futura convivência entre o poder tradicional e as autarquias locais, no âmbito das eleições autárquicas. Como se diferenciará cada um dos poderes? Especialista prevê conflitos.
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O poder tradicional em Angola já teve os seus momentos de glória, de insignificância e atualmente experimenta a instrumentalização por parte do Governo do dia, entende Tiago Malamba, o secretário geral do Conselho Angolano de Coordenação das Associações das Autoridades Tradicionais (CACAT).
"As autoridades tradicionais em Angola são instrumentalizadas pelos políticos, especialmente pelo MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola, partido no poder]. Quando lhes convém ir buscar legitimidade, aparecem a ofertar bónus, etc. Não deixam o poder tradicional [ser exercido] por si mesmo, exercer aquele poder que tínhamos no tempo colonial", desabafa Malamba.
Numa altura em que, no país, o conceito de poder local dá sinais de estar a sair pela primeira vez do papel para se materializar, o poder tradicional, um dos três elementos do poder local, tem também a sua oportunidade maior de sair completamente da sombra.
Poder tradicional quer candidatar-se às autárquicas
A ocupação plena desse espaço que lhe é conferido pela Constituição representaria, entretanto, uma ameaça para o regime do dia. Mas isso só se deixasse de ser manipulável.
Thiago Malamba exclui essa hipótese: "Não, não, não! Já não aceitamos mais [ser manipulados]!", diz.
O secretário-geral do CACAT vinca a posição: "Nós já nos organizámos e há tempos que acompanhamos o comportamento dos políticos e concordamos que os políticos já não estão em altura de estarem a governar nos nossos municípios. Vamos concorrer. Eles são cidadãos e vão apresentar as suas candidaturas e nós também vamos apresentar a nossa, a autoridade tradicional está a preparar-se".
Para o efeito, Malamba socorre-se do número 2 do artigo 213 da Constituição que diz que "as formas organizativas do poder local compreendem as autarquias locais, as instituições do poder local e outras modalidades específicas de participação dos cidadãos, nos termos da lei".
Constrangimentos na coabitação de poderes
À parte as manipulações e disputas de poder, em relação ao poder tradicional há ainda nós de estrangulamento de natureza técnica quando se fala em implementação do poder local, que até agora não estão desfeitos.
Luís Jimbo, especialista em eleições, lembra que "a Constituição diz que as autarquias compreendem os municípios. [E o] limite dos municípios não corresponde ao limite do poder tradicional".
Coabitação possível entre poderes tradicional e autárquico?
Neste contexto, Jimbo questiona: "O primeiro desafio é: Como é que [estes poderes] vão coabitar, [num espaço em que] o rei controla dois ou três municípios? Como se relacionarão o conselho do município e o autarca com os sobas?"
"A outra questão é: como é que os sobas e os reis vão participar efetivamente? Que poderes diferentes vão ter, que não criem conflito de poder com o poder que o autarca terá? Por exemplo, para decidir uma situação de saúde numa embala controlada pelo soba? Até que ponto o soba intervém nessa situação, se é uma questão de gestão pública de saúde?", prossegue ainda o especialista.
Luís Jimbo advinha que estas "são questões que vão criar muitos conflitos ao nível das comunidades".
E, por causa disso, o especialista Luís Jimbo entende que ainda há muita confusão e pouca experiência em relação à implementação efetiva do poder local. E do pacote de três elementos que constituem o poder local - autarquias locais, poder tradicional e associações locais - só se fala das autarquias locais, o que é limitador.
Lisboa: Exposição demonstra identidade cultural étnica em Angola
Está patente na Casa de Angola em Lisboa a coleção de cerâmica de Andreia Pedro, inspirada nas várias máscaras culturais existentes em Angola. “Etuku” mostra os traços da identidade cultural étnica deste país.
Foto: DW/João Carlos
Uma paixão antiga
Esta é a primeira mostra da jovem artista, natural de Luanda, formada em Design de Interiores e Cerâmica pela Escola Superior de Artes e Design de Lisboa. O gosto pela cerâmica vem do passado, ainda no ensino secundário, quando começou a ter o primeiro contacto com o barro. A exposição “Etuku” - que significa "origem" ou "Estou aqui" - estará aberta ao público até ao próximo dia 13 de julho.
Foto: DW/João Carlos
Renascer Txikunza
Mukixi Wa Txikunza destaca-se na hierarquia das máscaras chokwé, no nordeste de Angola, considerado o patrono da Mukanda (Ritual de Iniciação Masculina). A artista angolana inspirou-se nela para produzir esta peça, uma das cinco que representam o renascer cultural elevado pelas mãos, como símbolo da força, da união, do respeito e da confiança.
Foto: DW/João Carlos
Renascer Pwo
Também inspirada na máscara chokwe Mwana Pwo, usada em ocasiões especiais para educar, proteger e guiar os membros da sociedade. É um elemento forte na cultura angolana, associado às cerimónias dos rituais de iniciação masculina. Na aldeia, apresenta-se nas danças no terreiro para entretenimento de toda a comunidade.
Foto: DW/João Carlos
Renascer Mukixi
Na cultura angolana, é como se fosse um gigante extraterrestre. Inspira-se no Mukixi da Lunda Chokwé, envolvendo um segredo pertencente aos homens. Apesar da sua feição feminina, nenhuma mulher a pode usar. A máscara serve para espantar os espíritos. Daí os tons fortes: vermelho e preto (sangue e luto) e um pouco de branco, símbolo da paz.
Foto: DW/João Carlos
Renascer Mwana
Mwana é uma expressão que significa filho, mas representa a mulher ou a rapariga que floresce e garante a procriação. Ela encarna a ancestralidade feminina, usada em rituais de puberdade e fertilidade. Costuma ser exibida nas danças tradicionais.
Foto: DW/João Carlos
Renascer Tchihongo
Símbolo da autoridade e espírito masculino da riqueza, usada pela linhagem familiar (do soba, passando pelos filhos ou sobrinhos). A máscara, que acompanha a Mwana Pwo, representa um antepassado de origem nobre. A sua função é trazer prosperidade à aldeia. “Procurei uma forma mais artística de abordar as máscaras tirando-as praticamente do lugar de conforto”, explica Andreia Pedro.
Foto: DW/João Carlos
Máscara Ndemba
Da série de bases para candeeiros, destacamos esta peça. Originária da província do Uíge, representa uma figura humana meio sorridente, com gorro em mabela ornada com barba. É utilizada nos rituais de circuncisão. A sua função é testemunhar a transição dos circuncidados de um estado de total ignorância para o estatuto socialmente reconhecido. É usada em rituais funerários.
Foto: DW/João Carlos
Ntiame: a Pátria
O mapa de Angola deu lugar a mais esta peça decorativa, a que se juntam as cores da bandeira nacional. O vermelho corresponde a sangue e energia, o preto a luto e respeito, e o branco – embora não faça parte das cores daquele símbolo nacional – representa a paz com dois lados mascarados.
Foto: DW/João Carlos
Luwizano: a união
A exposição, que conta ainda com outros elementos decorativos como potes ou candeeiros de teto - onde as máscaras são abordadas de uma forma diferente -, encerra com Luwizano, que significa união. Trata-se de um conjunto de bases para velas, associado a um espelho em forma circular colocado no centro. Os potes, que fazem parte da coleção, recordam toda a linhagem de iniciação e da puberdade.