Investigação ao vice-Presidente do Brasil por defender IURD
Lusa
22 de julho de 2021
No Brasil, deputado pediu ontem à PGR que investigue se o vice-Presidente brasileiro cometeu improbidade administrativa por defender interesses da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) numa viagem a Angola.
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Na sua conta na rede social Twiter, o deputado brasileiro Ivan Valente escreveu esta quarta-feira (21.07): "Acionámos a PGR contra [Hamilton] Mourão pela viagem a Angola com dinheiro público para advogar por Edir Macedo. O vice-Presidente até confessou que foi tratar de interesses privados da Igreja Universal, expulsa de Angola por crimes como lavagem [branqueamento] de dinheiro, racismo e associação criminosa".
O deputado filiado ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que faz oposição ao Governo liderado pelo Presidente Jair Bolsonaro, já tinha informado que pediria às autoridades uma investigação sobre o caso por considerar que Mourão usou uma viagem oficial a Angola, financiada com dinheiro público, para defender interesses privados da IURD.
Mourão representou o Brasil na XIII Cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), celebrada no sábado (17.07), em Luanda, Angola.
Numa entrevista à Lusa à margem da cimeira da CPLP, o vice-Presidente brasileiro afirmou que o caso da Igreja Universal em Angola "é uma questão que afeta o Governo e a sociedade brasileira pela penetração que essa igreja tem e pela participação política que ela possui [no Brasil], com um partido que é o Partido Republicano, que representa o pessoal da Igreja".
"O Governo brasileiro gostaria que se chegasse a um consenso entre essas duas partes e que aqui o Estado angolano recebesse a delegação parlamentar brasileira que quer vir aqui para tentar chegar a um acordo e a um ponto em que se arrefeça as diferenças que ocorreram", referiu.
Luanda defende canais apropriados
Na terça-feira (20.07), os 'media' brasileiros noticiaram que Mourão pediu, num encontro bilateral com o Presidente de Angola, João Lourenço, um tratamento justo à IURD nos processos judiciais que correm contra a denominação em Angola e solicitou ao Presidente que recebesse uma missão de parlamentares evangélicos do Brasil.
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Lourenço, por sua vez, terá respondido que não era adequado que uma delegação de congressistas brasileiros fosse recebida por ele, mas disse que os parlamentares seriam bem-vindos num encontro com deputados angolanos, sempre que devidamente convidados pelo Congresso de Angola.
Mourão confirmou que tentou interceder junto do Governo angolano em favor dos membros brasileiros da IURD, alegando ter recebido uma orientação do Presidente Bolsonaro para tratar deste assunto.
Para justificar a sua ação em favor da igreja, o vice-Presidente citou a alegada deportação de pastores brasileiros de Angola.
Mourão, porém, não confirmou a recusa de Lourenço em receber uma comissão de parlamentares brasileiros e disse apenas que a referida viagem está a ser negociada pela embaixada do Brasil e o Ministério de Relações Exteriores angolano e, por enquanto, "não há resposta sobre isso".
A crise em Angola
A IURD em Angola dividiu-se em duas fações, com uma parte, de origem angolana, a contestar a direção brasileira. O Governo angolano acabou por reconhecer a fação angolana como a legítima representante da instituição religiosa no país, levando muitos pastores e bispos brasileiros a saírem de Angola, por falta de renovação dos vistos, e à suspensão da operação da televisão evangélica Record.
O conflito teve início em novembro de 2019, quando um grupo de dissidentes angolanos decidiu afastar-se da direção brasileira com várias alegações de crimes, nomeadamente de evasão de divisas, racismo, prática obrigatória de vasectomia, entre outras.
Os missionários da igreja criada pelo brasileiro Edir Macedo negaram as acusações e acusaram também os angolanos de xenofobia e agressões.
Na justiça angolana - depois de iniciadas as divergências entre as partes, agravadas com a tomada pela força de templos em todo o país - tramitam vários processos judiciais relacionados com a IURD Angola.
Candomblé: A religião africana do Brasil
O Candomblé nasceu da cultura dos escravos africanos. Ainda hoje, os seguidores sofrem de discriminação e racismo. Fomos aos "terreiros", os locais de culto, em Salvador da Bahia, a cidade mais "africana" do Brasil.
Foto: DW/Joana Brandão Tavares
Espíritos do Brasil - Deuses de África
A bandeira do Brasil no terreiro Ilé Axé Oguntòóla em Lauro de Freitas, nas redondezas de Salvador, é uma homenagem ao caboclo Boiadeiro das Sete Chapadas, que ajuda as pessoas a se curarem com ervas, segundo a crença. Para além de caboclos, espíritos de origem brasileira, são reverenciados orixás, deuses do Candomblé iorubá do oeste de África, e nkisis, deuses do Candomblé bantu do sul de África.
Foto: Alberto Batinga Pinheiro
Símbolo da luta contra a intolerância religiosa
Na Lagoa do Abaeté, no bairro Itapuã em Salvador da Bahia, foi erguido um busto em homenagem a Gildásia dos Santos, a mãe de santo Gilda. Mãe Gilda, como era conhecida, faleceu de enfarte após sofrer dois episódios seguidos de intolerância religiosa por duas igrejas evangélicas. O dia da sua morte, 21 de janeiro, foi decretado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa no Brasil.
Foto: DW/Joana Brandão Tavares
Terreiro fundado por princesas africanas
Fundado no século XIX por três princesas africanas trazidas como escravas para o Brasil – Iyá Detá, Iyá Kalá e Iyá Nassô – o terreiro Casa Branca é o mais antigo em funcionamento em Salvador e possivelmente também no Brasil. Os templos de candomblé são conhecidos por "terreiros". No centro da sala de liturgia está o altar com objetos sagrados e a coroa de Xangô, o orixá (deus) da justiça.
Foto: DW/Joana Brandão Tavares
Deusa da água doce e do amor
No terreiro Casa Branca, em Salvador da Bahia, é dia da festa de Oxum, a orixá feminina (deusa) das águas doces dos rios e cachoeiras, da riqueza, da prosperidade, do amor e da beleza. Enquanto os carros passam em velocidade na agitada avenida de Vasco da Gama, em Salvador, as filhas e filhos de santo da casa preparam o barco com flores e bonecas em homenagem a Oxum.
Foto: DW/Joana Brandão Tavares
Casas para os deuses e espíritos
Nos terreiros de candomblé existem várias "moradas" para os orixás e caboclos. Alguns têm construções feitas inteiramente para si, outros moram lugares ao ar livre, como uma árvore, por exemplo. Estes lugares são cuidados como sagrados e reverenciados com oferendas e cantos. No terreiro Casa Branca, o barco pertence a Oxum, a casa azul no fundo é a morada de Ayrá, o orixá da justiça e dos ventos.
Foto: DW/Joana Brandão Tavares
Esculturas de orixás homenageiam tradição
No Dique do Tororó, em Salvador, uma vez ao ano, representantes das religiões afro-brasileiras amarram Ojás – tecidos sagrados – nas árvores para homenagear a paz e boa convivência entre as religiões. Em 2015, foi aprovada pela Câmara de Vereadores uma lei que prevê instalar uma bíblia no Dique. O movimento negro contesta a medida e diz que símbolos cristãos já estão presentes em muitos locais.
Foto: DW/Joana Brandão Tavares
Mãe de santo Conceição
Mãe Conceição é mãe de santo, a responsável do terreiro, no bairro de São Gonçalo do Cabula, na periferia de Salvador. Há 26 anos no local, ela atende a comunidade com serviços espirituais e também realiza trabalhos sociais, como rodas de leituras para crianças e aulas de cultura africana. O Centro de Caboclo Sultão das Matas fica no quintal da casa onde Conceição mora com suas filhas e netos.
Foto: DW/Joana Brandão Tavares
Homenagem anual a Marujo
Na sala de sua casa, a mãe de santo Elisa mostra uma fotografia da festa do caboclo Marujo, o espírito que, de acordo com o candomblé, é o protetor de todas as pessoas que sobrevivem trabalhando nas águas doces e salgadas, como os pescadores e marinheiros. Na festa anual do caboclo Marujo, Mãe Elisa jogou perfume de alfazema sobre os arranjos de flores que foram presenteados ao mar.
Foto: DW/Joana Brandão Tavares
Mãe de santo Elisa
Mãe Elisa é mãe de santo há 30 anos. Mora no bairro de Mussurunga, na periferia de Salvador da Bahia. Na entrada de sua casa está o altar em homenagem a Exu, o orixá dos caminhos, que tem a função de proteger quem entra e quem sai do local. No altar também está Ogum, dono dos ferros, orixá que protege as estradas e quem por elas passa.
Foto: DW/Joana Brandão Tavares
O axé guarda a força espiritual
Sandra Bispo é a mãe pequena do terreiro Oxumarê, um dos mais antigos de Salvador, fundado no início do século XIX. Como mãe pequena, ela é a segunda na hierarquia religiosa da casa, guiada pelo pai de santo Babá Pecê. Sandra mostra o "axé" do terreiro – o altar no centro da sala litúrgica onde, segundo a crença do candomblé, está guardada a força espiritual do local.
Foto: DW/Joana Brandão Tavares
Liderança matriarcal desde a escravidão
O terreiro de Gantois, no bairro Federação, distingue-se pela liderança matriarcal, sendo regido desde 1849 por mães de santo. São escolhidas por critérios de hereditariedade na descendência espiritual da casa, iniciada por Maria Júlia da Conceição Nazareth, que veio de África como escrava e posteriormente foi liberta. No Brasil, a escravidão apenas foi abolida em 1888 através da "Lei Áurea".
Foto: DW/Joana Brandão Tavares
Sincretismo com o cristianismo
O Terreiro de Gantois deriva da família belga Gantois, traficante de escravos e dona destas terras no século XIX. O terreiro é regido por Oxóssi, o orixá das matas, das florestas, da caça. Oxóssi também é simbolizado pelo santo católico São Jorge no chamado sincretismo. Na foto, as "filhas de santo" da casa participam de uma celebração e vê-se ao fundo a orixá (deusa) Oxum, esposa de Oxossi.
Foto: DW/Joana Brandão Tavares
Símbolo da perseguição do Candomblé
A cadeira, que representa no Candomblé o poder e respeitabilidade, foi apreendida em 1920 numa invasão da polícia ao terreiro do pai de santo Severiano Jubiabá. Até a primeira metade do século XX, o Governo do Brasil e a polícia brasileira perseguiram o Candomblé e os seus praticantes. Em 2015, a cadeira foi devolvida ao pai de santo Anselmo dos Santos (foto), que continua a linhagem de Jubiabá.
Foto: DW/Joana Brandão Tavares
As várias estátuas do altar
No terreiro Oxumarê, o altar exibe estátuas trazidas de África, que simbolizam figuras similares aos orixás do Candomblé brasileiro. No século XIX, como a religião era proibida e perseguida pela polícia, durante o dia, ícones cristãos figuravam no local enquanto que os objetos do Candomblé ficavam escondidos. À noite, os praticantes da religião tiravam seus símbolos para realizarem os cultos.
Foto: DW/Joana Brandão Tavares
Assegurar o futuro do Candomblé
O terreiro de Lembá, localizado no município de Camaçari a cerca de 40 quilómetros de Salvador da Bahia, fundou em 2011 a Escola Zumbi dos Palmares, a primeira a funcionar dentro de um terreiro na Bahia. Na ocasião, representantes de igrejas evangélicas protestaram contra a abertura da escola, acusando o terreiro de "roubar as almas" das crianças, lembra Ricardo Tavares, o pai de santo do lugar.