A 27 de maio de 1977, Francisco Rasgado estava preso em Luanda, por se ter associado a um movimento de estudantes que defendia a implantação da democracia multipartidária em Angola – atividade considerada subversiva.
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A partir da cadeia, Francisco Rasgado foi acompanhando o desenrolar dos acontecimentos à volta do 27 de maio. Mas jamais poderia imaginar que dois dos seus irmãos mais velhos seriam assassinados por forças leais ao Presidente Agostinho Neto.
Já passaram 40 anos desde aquele dia negro da história de Angola e do MPLA, o partido no poder. Mas o jornalista e diretor do jornal ChelaPress, agora com 61 anos, lembra-se como se fosse hoje das mortes, que diz terem sido consentidas pelo MPLA de Agostinho Neto.
E Rasgado conta: "Tive irmãos que estiveram presos mas que saíram, mas os que foram mesmo mortos pelo MPLA, na altura dirigido pelo Agostinho Neto, foram Álvaro Domingos Rasgado e Aníbal José Rasgado. Aquilo tratou-se de luta pelo poder, luta essa que vinha de trás, desde o tempo do "maquis" com mortes e tudo e aqui essa mesma luta foi consumada."
O "fraccionismo", como foi apelidado o 27 de maio por forças leais ao Presidente Neto, cujo principal colaborador era Lúcio Lara, levou ao assassinato de pelo menos 100 mil pessoas.
Panteão em homenagem aos irmãos Rasgado
Álvaro Domingos Rasgado, irmão mais velho de Francisco Rasgado, tinha sido comandante da Unidade Militar do Presidente. E à data do seu assassinato era comandante da Polícia Nacional na província de Benguela. Foi morto por fuzilamento com mais de 40 tiros.
O outro irmão, Aníbal José Rasgado, foi levado para uma das cadeias de Benguela, onde viria a ser assassinado.
Em homenagem aos irmãos e a todas as vítimas do 27 de maio, Francisco Rasgado construiu no interior da sua residência um panteão, o único no país: "A gente compreende até esses fenómenos, mas nunca podemos esquecer-nos da forma como foram executados, não dá para esquecer. Foram mortes gratuitas, tudo por culpa de um determinado grupo no seio do MPLA que pretendia o poder e achou que a única forma de manter e conservar o poder era dizimar os que não estavam de acordo com a gestão do outro lado."
Para quando uma explicação do MPLA?
No sábado (27.05.), dia em que se assinalam os 40 anos da purga de 27 de maio, um grupo de cidadãos cujos pais, tios, irmãos e avós foram mortos durante esse período estará reunido em Lisboa, a capital portuguesa, para exigir explicações ao MPLA e a construção de um memorial em homenagem às vítimas.Uma iniciativa subscrita por Francisco Rasgado, que, no entanto, não acredita que o MPLA tenha capacidade para explicar o motivo dos assassinatos: "Acho que eles não têm capacidade e continuam a arrastar um problema. É certo que até pouco tempo era tabu e hoje já não é tabu. Todo mundo fala e eles tiveram tempo suficiente para resolver esse problema que é grave. Porque morreram milhares de pessoas que deixaram filhos. E estes perante a lei continuam a ter pais, quando na realidade os pais morreram e não estão desaparecidos. Porque nenhum deles beneficiou de uma certidão de óbito. Oficialmente os filhos têm pais."
Angola: Irmãos Rasgado, as vítimas do 27 de maio
Para Francisco Rasgado "uma das pessoas que estava em melhores condições para explicar isso era o próprio Presidente José Eduardo dos Santos que também foi citado como "fraccionista". Portanto, estava em melhores condições de criar um processo igual ao sul-africano da Comissão da Verdade e também não conseguiu."
Assim, na opinião de Rasgado, José Eduardo dos Santos perdeu uma grande oportunidade para reconciliar o MPLA: "Se tivesse realizado esse processo e se tivesse apresentado à sua demissão na hora certa [teria sido bom.] E para mim a data ideal, até mesmo para ser visto como reserva moral, teria sido depois da mote de Savimbi. Não fez isso e entrou para aquele processo que todos nós conhecemos que é o do descalabro do país com corrupções e por aí adiante."
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.