"Absolvição já", exigem jornalistas angolanos unidos em campanha de apoio a Rafael Marques e Mariano Brás, que vão ser julgados em Luanda, a 5 de março, por crimes de injúria e ultraje a órgão de soberania.
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Em causa está uma queixa de 2017 apresentada pelo então procurador-geral da República, João Maria de Sousa. Na origem deste processo está uma notícia de novembro de 2016, colocada no portal de investigação jornalística Maka Angola, do jornalista Rafael Marques, com o título "Procurador-Geral da República envolvido em corrupção", que denunciava o negócio alegadamente ilícito realizado por João Maria de Sousa - que cessou funções de procurador-geral da República no final de 2017 -, envolvendo um terreno de três hectares em Porto Amboim, província do Cuanza Sul, para construção de condomínio residencial.
A mesma matéria foi retomada pelo jornal O Crime, dirigido pelo Mariano Brás, jornalista que é também arguido no mesmo processo.
Alguns profissionais de vários órgãos de comunicação consideram que o julgamento é uma perseguição contra a imprensa, num momento em que a palavra-chave do Governo do João Lourenço é o combate à corrupção.
O descontentamento levou à criação de uma corrente de apoio a Rafael Marques e Mariano Brás, como explicou à DW África em Luanda, o jornalista Eduardo Gito - um dos mentores do projecto que exige a absolvição imediata dos redactores: "O Rafael Marques na sua matéria apresenta provas. Estamos num momento em que atividade jornalística deve ser respeitada porque não somos funcionários de políticos”.
"Denunciar criminosos não é crime”
É o tema da campanha que exige a absolvição dos dois arguidos e que já circula na internet. Eduardo Gito questiona o silêncio da justiça angolana quanto às denúncias que o site Maka Angola faz com frequência: "Perseguir os jornalistas desta forma é lutar contra a liberdade expressão e de imprensa no país. Nos últimos dez anos, Rafael Marques submeteu vários processos de denúncia de corrupção contra os dirigentes angolanos. Mas alguma vez a PGR respondeu às denúncias que o Rafael Marques tem feito?”.
"Nós, infelizmente, apesar de todas as mudanças que estamos a registar no paísnotamos claramente que, quanto à liberdade de expressão e de imprensa, ainda estamos muito longe de experimentarmos mudanças e este julgamento é a prova disso”, considera, por sua vez, o jornalista Quingila Hebo, que também se solidariza com a situação dos colegas. Quingila Hebo entende que este processo é uma das formas de intimidar outros profissionais da comunicação social em Angola.
"Quando se julga um jornalista, automaticamente reprimem-se outros. Os outros jornalistas terão receio de abordar certos assuntos, temendo serem levados a julgamento”, explica. Para o jornalista, "as autoridades devem descriminalizar a imprensa” para desenvolver o país.
Caso não é único
Jornalistas unidos no apoio a Rafael Marques e Mariano Brás
Francisco Paulo, um outro profissional que aderiu à campanha "Absolvição já" para Rafael Marques e Mariano Brás, lembra o caso de outros jornalistas do site Correio Angolanse, Graça Campos e e Severino Carlos, acusados por crime de injúria contra o ex-ministro da justiça, Rui Mangueira.
O referido crime resulta de um artigo escrito em Setembro de 2017, intitulado "Ministro da Justiça cessante com 28 processos judiciais nas costas", segundo o Maka Angola.
Segundo o repórter, "o que os dirigentes angolanos querem é que os jornalistas sejam caixa de ressonância deles”. "O que não é normal”, acrescenta.
"Pelo que sei, o trabalho jornalístico é ajudar as autoridades a investigarem as denúncias", diz o jornalista da Rádio Despertar, sublinhando que "o que se passa com os governantes é que quando uma matéria é publicada, os criminosos são os jornalistas por divulgarem informações que acham que não podiam ser publicadas".
Francisco Paulo e Quingila Hebo alegam que os colegas não cometeram nenhum crime e esperam a absolvição como o desfecho do caso. "O que se espera é absolvição porque aí não há crime. Foram todos artigos publicados com direito a fonte. Há dados, por exemplo, no caso do ex-Procurador. No caso da matéria publicada pelo Correio Angolanse, há dados".
"Adiro a esta campanha porque hoje é o Mariano Brás e o Rafael Marques e amanhã não sabemos quem será o próximo”, reiterou Quingila.
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.