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"Justiça lenta" no caso dos 5 mil milhões do Fundo Soberano

António Cascais
2 de agosto de 2018

"Novela" em torno do Fundo Soberano de Angola continua. Para jurista Rui Verde, José Filomeno dos Santos e Jean-Claude Bastos de Morais continuarão a ser protegidos enquanto "sistema jurídico-legal não for desmanchado".

Angola Stadtbild von Luanda Finanzviertel
Foto: Getty Images/AFP/S. de Sakutin

A gestão do Fundo Soberano de Angola (FSDEA) tinha sido entregue pelo antigo Presidente José Eduardo dos Santos ao próprio filho José Filomeno dos Santos (Zénu). Entretanto, o Presidente João Lourenço afastou José Filomeno dos Santos do cargo e a justiça angolana tem estado a investigar a sua gestão, seguindo o rasto do dinheiro. Dois dos 5 mil milhões de dólares já foram recuperados pelos novos gestores do Fundo. Mas restam ainda 3 mil milhões no estrangeiro, que o Governo angolano pretende recuperar.

Esta semana soube-se que os 3 mil milhões de dólares que a Quantum Global geria em representação do Fundo Soberano de Angola foram desbloqueados por ordem da justiça britânica.  A informação consta de um comunicado da Quantum Global, no qual o fundador da empresa, o suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais, amigo pessoal de Zénu, e que está também a ser investigado pela justiça angolana no âmbito deste processo, refere que o juiz de um tribunal inglês retirou "a ordem de congelamento na sua totalidade" daqueles investimentos do FSDEA.

Em entrevista à DW África, Rui Verde, professor e especialista em política angolana, explica que o "problema essencial" deste caso prende-se com o facto de existirem contratos assinados pelo antigo Presidente de Angola que "legitimam a entrega" destes montantes. Para este analista, "a justiça angolana está a ser muito lenta", pois "não confronta ninguém com o vigor legal". 

DW África: Como interpreta a recente notícia do descongelamento dos 3 mil milhões de dólares a favor da Quantum Global?

"Justiça lenta" no caso dos 5 mil milhões do Fundo Soberano

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Rui Verde (RV): Quer dizer o seguinte: numa primeira fase, em abril deste ano, a justiça britânica tinha congelado a pedido do Fundo Soberano de Angola, da nova direção nomeada por João Lourenço, esses 3 mil milhões, debaixo da gestão do Jean- Claude Bastos de Morais e a justiça britânica tinha feito esse congelamento. Depois, o Jean-Claude e a Quantum reagiram e fizeram o que se pode chamar de recurso a essa primeira decisão, e então veio um tribunal inglês descongelar o que tinha sido congelado em abril [de 2018].

DW África: Quer isso dizer que uma grande parte do Fundo Soberano de Angola está ainda e continuará em Inglaterra?

RV: Aparentemente havia 5 mil milhões, o Governo angolano diz que já recuperou 2 mil milhões e 3 mil milhões estão com Jean-Claude Bastos de Morais. Se estão em Inglaterra ou noutras jurisdições não é claro, porque também corre um processo semelhante nas ilhas Maurícias. O que a jurisdição inglesa permite é emitir ordens mundiais de congelamento, digamos assim, e é por isso que ela é utilizada com frequência. Mas em resumo, 3 mil milhões de dólares do Fundo Soberano voltam a estar nas mãos do Jean-Claude Bastos de Morais.

DW África: Como é possível tanto dinheiro ser entregue ao filho do então ex-Presidente, ou neste caso, a um colega de juventude, ao suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais?

RV: Este é o problema essencial e é o que esta decisão inglesa agora reflete. Os contratos que legitimam essa entrega existem, ou seja, não foi uma entrega por baixo da mesa, e esse é o grande problema, porque quem é que deu origem e autorização a esses contratos? Foi o antigo Presidente José Eduardo dos Santos. Portanto, agora o que temos aqui é um novelo formal que o antigo Presidente criou e que o novo Presidente João Lourenço terá dificuldade em desfazer nos tribunais.

DW África: A justiça angolana estará preparada para desfazer este imbróglio, para investigar e recuperar o dinheiro que é do povo angolano?

RV: Não está e esse é um dos grandes problemas. Quando há estes grandes casos noutros países, como nos Estados Unidos, ou em Portugal, a justiça atua segundo aquilo que se pode chamar um modelo "big bang”, vai utilizando a lei, mas vai diretamente à pessoa, e ao mesmo tempo gera uma série de mecanismos. Geralmente aplica prisão preventiva, congela bens ou faz uma acusação, portanto, a pessoa é imediatamente confrontada com o peso do Estado. O que se está a passar em Angola é que há muitos discursos, há muitas notícias nos jornais, mas a justiça angolana está a ser muito lenta, não confronta ninguém com o vigor legal. Ou não quer ou não está preparada para, de facto, ir ao cerne das questões.

José Filomeno dos SantosFoto: Grayling

DW África: Correm notícias de que José Filomeno dos Santos, o antigo presidente do conselho da administração do Fundo Soberano, e também Jean- Claude Bastos de Morais, estão a ser investigados em Angola. O que é que isso significa?

RV: O que a Procuradoria-Geral da República angolana anunciou é que corre uma investigação contra eles em Angola, mas eles estão em liberdade. Foi-lhes tirado o passaporte, portanto não podem sair de Angola.

DW África: E esses indivíduos estão a ser protegidos por alguma parte do aparelho de Estado de Angola?

RV: Eles estão a ser protegidos por toda a legislação e por todos os contratos que o pai, o Presidente José Eduardo dos Santos, fez. Essa é a grande proteção deles e enquanto esse sistema jurídico-legal não for desmanchado, eles terão sempre uma proteção. Se essa proteção agora se está a estender também a forças já descontentes no atual regime, é possível. Neste momento, assiste-se obviamente a um confronto, por um lado entre João Lourenço, e por outro lado entre os filhos do Presidente, quer seja a Isabel dos Santos, quer seja o José Filomeno dos Santos. Isso é claro, mas na realidade quem está no fim da linha é o antigo Presidente, foi ele que assinou os papéis.

DW África: José Eduardo dos Santos ainda é Presidente do partido no poder em Angola, o MPLA, mas deixará de sê-lo no dia 8 de setembro, ao que tudo indica...

RV: Se chegamos a setembro nesta situação, até pode eleger João Lourenço como presidente do MPLA, mas obviamente é um presidente fragilizado.

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