Cinco anos passados desde que os "revús" foram detidos em Angola, jovens consideram ter havido pouco ou nenhum avanço na liberdade de expressão, com menos jornais e linhas editoriais pouco críticas nos média do país.
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Os 15+2, como ficaram conhecidos os 17 jovens ativistas angolanos, encontravam-se a ler o livro intitulado "Da Ditadura à Democracia” do norte-americano Gene Sharp, quando foram detidos a 20 de junho de 2015. Acusados de tentativa de golpe de Estado contra o então Presidente José Eduardo dos Santos, enfrentaramjulgamento e condenados à prisão.
Cinco anos passados do dia da sua detenção, a DW África perguntou a alguns deles como está a liberdade de expressão sob a liderança do Presidente João Lourenço.
"Crítica. Há menos jornais físicos, a TPA [Televisão Pública de Angola] continua a ser a única televisão de sinal aberto. As rádios privadas, exceto a Rádio 200 no Lubango e a Morena em Benguela, estão concentradas em Luanda. O número de rádios aumentou, mas quase todas seguem uma linha editorial quase inútil no que diz respeito à construção da razão crítica", enumera Nuno Álvaro Dala.
O ativista Arante Kivuvu que, nos últimos tempos, tem promovido manifestações de rua contra o desemprego e a cobrança de propinas nas universidades públicas, também não vê grandes melhorias.
"Porque a Polícia Nacional continua com o mesmo método de atuação: reprimir as manifestações. A Televisão Pública e a Rádio Nacional continuam com a mesma linha editorial. O Presidente João Lourenço vem fazendo aberturas estratégicas que lhe favorecem", avalia.
Também, de forma peremptória, Osvaldo Caholo não vê mudanças: "JLo é apenas um remendo novo por cima de um tecido antigo. O problema é o MPLA", considera.
Era Dos Santos
Todas as formas de liberdade de expressão e de manifestação na antiga governação do ex-Presidente José Eduardo dos Santos eram reprimidas, recorda Arante Kivuvu, ativista angolano.
"A 20 de junho de 2015, encontravámo-nos a refletir sobre estratégias de derrube de um regime que estava há muito tempo no poder. Era outro método de luta que tinha começado em 2011. Nas ruas, não tínhamos atingido o nosso objetivo", diz, referindo-se às manifestações de rua inspiradas na Primavera Árabe.
O livro em reflexão era "Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura: Filosofia Política da Libertação para Angola", uma adaptação do livro do norte-americano Gene Sharp intitulado "Da Didatura à Democracia", feita pelo jornalista e professor angolano Domingos da Cruz.
"No princípio, tinha noção de que podíamos acabar presos no momento de colocar na prática a nossa reflexão, porque estávamos a lidar com um regime autoritário que não permitia o exercício da nossa cidadania", acrescenta.
Pandemia tornou-se justificação para atacar jornalistas
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O dia da detenção
A 20 de junho de 2015, os jovens foram detidos e, consequentemente, colocados nas cadeias. Na altura, foram acusados de preparação de golpe de Estado.
"Foi um experiência duríssima que contribuiu para o meu desenvolvimento como ativista", avalia Nuno Álvaro Dala, um dos integrantes do grupo dos 15+2.
Osvaldo Caholo era o único militar dos 17 acusados. Ele recorda que foi detido na sua casa no dia 24 de junho, quatro dias depois da detenção de outros contestatários.
"Eram 6h da manhã, quando alguém tocou o interfone do meu apartamento a informar que a minha viatura tinha o vidro partido. Era a isca", conta o ativista.
"Como já tinha conhecimento, porque alguns colegas me tinham informado e girava um helicóptero sobre o meu apartamento, ignorei".
Mas depois, Caholo cedeu.
"Mais tarde, desci e verifiquei que na viatura nada estava quebrado. Momentos depois, surgiram os efetivos do Serviço de Investigação Criminal (SIC) e raptaram-me. Posso dizer que aquilo era uma captura, porque sou militar e a equipa estava composta por 20 homens. Estavam com máscaras", revela.
Condenação em tribunal
A 28 de março de 2016, o Tribunal Provincial de Luanda condenou-os a penas de prisão que variavam entre dois e oito anos de prisão por crimes de atos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores, depois de terem estado em prisão preventiva.
A maior pena foi aplicada a Domingos da Cruz, considerado o cabecilha do grupo. No total, foram 17 jovens presos - incluindo duas mulheres: Rosa Conde e Laurinda Gouveia. Mas, viriam a ser soltos, tempos depois, por uma lei de amnistia.
Momento de reflexão
Muitos destes "revús" como Domingos da Cruz, Sedrick de Carvalho, Manuel Nito Alves, entre outros, encontram-se no estrangeiro. Mas, os outros continuam em Angola. Para saudar a data que este sábado se assinala, os ativistas detidos em 2015, estarão em reflexão a partir do princípio da noite. O encontro será via internet devido à distância e à pandemia da Covid-19.
"Os 15+2 farão uma espécie de mesa-redonda em que procederão a uma análise crítica do estado do país, de junho de 2015 a junho de 2020. Será por videoconferência", revela Nuno Dala, um dos organizadores da iniciativa.
"Participarão os que têm condições técnicas reunidas e a disponibilidade necessária", finaliza.
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.