A prisão concebida para 3000 reclusos já vai com cerca de 4000. O jurista Albano Pedro critica a burocracia do Ministério Público e o sociólogo Carlos Conceição diz que a ressocialização “continua aquém das expetativas”.
Uma cadeia em Luanda, AngolaFoto: António Cascais
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A Cadeia Central de Luanda (CCL), um presídio que recebia indivíduos na condição preventiva, deixou de o fazer por questões de segurança, depois de um motim em 2013.
Dados indicam que, em média, cerca de 50 pessoas acusadas no cometimento de crimes diversos dão entrada nos Serviços Prisionais de Viana, na capital angolana.
O jurista Albano Pedro aponta algumas causas que contribuem para o elevado índice de criminalidade em Angola: "Nós estamos num país em que há muito desemprego, muita pobreza e estes fatores estimulam a criminalidade. Isso faz com que uma grande parte da população se envolva com a criminalidade. Porque a criminalidade pode não ser um ato que as pessoas cometem porque querem, mas cometem porque são obrigadas. Estão numa condição de fragilidade que lhes obriga a cometer crimes”.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Weigel
A cadeia de Viana foi concebida para albergar apenas 3 000 reclusos, mas atualmente acolhe perto de 4000 cidadãos em conflito com a lei, dos quais só duzentos foram julgados e cumprem a sua pena.
Excesso de burocracia é prejudicial
"A detenção por lei só pode durar no máximo 72 horas. No fim, o detido deve ser posto em liberdade ou ter a prisão preventiva regularizada”, esclarece Albano Pedro.
Se não for, diz o jurista, está-se diante de excesso de presos preventivos. E isso deve-se, acrescenta, à "burocracia excessiva no tratamento dos processos crimes”. Neste caso, o Ministério Público incorre numa ilegalidade.
"Ou seja, pessoas que estão em excesso de prisão preventiva e acabam estando numa situação de ilegalidade porque quem está em excesso de prisão preventiva deve aguardar o julgamento em casa e, quando esta pessoa permanece na cadeia temos ai o Ministério Público que está agir de forma ilegal”, explica ainda o jurista.
Na cadeia de Viana, mais de duas dezenas de reclusos compartilham a mesma cela concebida para apenas 16 pessoas. Como consequência, registam-se muitos casos de doenças como a febre tifóide.
Principal cadeia de Luanda sobrelotada
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Ressocialização precisa-se
Uma das finalidades das penas é a ressocialização do individuo. Porém, o sociólogo Carlos Conceição diz que este processo "continua aquém das expetativas”.
"Para que os mecanismos de ressocialização sejam efetivos dentro de uma unidade penitenciária é necessário que tenhamos especialistas das mais variadas áreas do conhecimento: estamos a falar de criminólogos clínicos, sociólogos, assistente social, estamos a falar até de psicólogos”, defende o especialista.
A população penal de Angola é de 23.347, entre detidos à espera de julgamento e condenados. A maioria é acusada de crimes contra a propriedade. O país conta com 40 estabelecimentos prisionais.
"Acaba de me matar": jovens angolanos protestam contra o Governo nas redes sociais
Devido à falta de estrutura para lidar com os efeitos da chuva, pelo menos dez pessoas morreram em Luanda. Esta situação levou os cidadãos a iniciarem no Facebook uma onda de protestos denominada "Acaba de me matar".
Foto: Guenilson Figueiredo
Perdas após mau tempo
A morte de uma criança de quatro anos desencadeou a onda de protestos nas redes sociais, com os cidadãos a partilhar imagens fingindo-se de mortos e com a mensagem "Acabam de nos matar", uma forma de repudiar a não resolução dos problemas da população por parte do Governo. Ariano James Scherzie, 19 anos, participou na campanha que rapidamente se tornou viral.
Foto: Ariano Scherzie
Sonhos estão a morrer
Botijas de gás, livros, computadores e blocos de cimento estão entre os objetos usados pelos jovens para protestar contra o que dizem ser más políticas públicas. Indira Alves, 28 anos, lamenta a situação do seu país. "Estou a morrer. Desde as condições de vida até aos sonhos, não é possível o que temos vivido nesta Angola", conta a jovem que abandonou os estudos para trabalhar.
Foto: Indira Alves
Chamar atenção das autoridades
Anderson Eduardo, 24 anos, quis "atingir pacificamente a atenção de alguém de direito a fim de acudir-nos". Decidiu participar no protesto devido ao descontentamento com a governação em Angola. "Eles nos pedem para apertar o cinto, se contentar com o bem pouco, e ao mesmo tempo tudo sobe de preço, alimentos, vestuários, electrodomésticos, e o salário não sobe”, conta o engenheiro informático.
Foto: Anderson Eduardo
Em nome dos colegas e pacientes
Cólua Tremura, 24 anos, conta o porquê de ter participado no protesto: "A minha motivação foram os meus colegas que cancelaram a faculdade por causa da crise, os colegas que morreram antes de realizarem o sonho de serem médicos, os pacientes que apenas vão ao hospital quando estão graves. Acredito que [o protesto] não alcançou os resultados previstos, que era chamar a atenção do Governo".
Foto: Cólua Tremura
Sem reações
Lucas Nascimento, 20 anos, viu no mau tempo e na falta de estrutura razões para aderir ao protesto. O jovem quis dar apoio a uma jovem da região que perdeu a casa num desabamento provocado pelo mau tempo. "Acaba de me matar quer dizer que nós já estamos mal e o Governo está acabando de nos matar", explica. "Até aqui, não notamos nenhuma reação do Governo, talvez possa ser ignorância ou desleixo".
Foto: Lucas Nascimento
Falta justiça
Guenilson Figueiredo, 20 anos, entrou na onda de protestos e teme as consequências que ela pode trazer aos cidadãos que participaram. "Não posso falar muito sobre este protesto, porque nós vivemos num país onde a justiça só funciona contra os pobres".