Angola: Lussati acusa chefe da secreta de sequestro e roubo
Lusa
25 de julho de 2023
O major angolano Pedro Lussati, condenado por peculato e fraude em 2022, acusa o chefe da secreta angolana de o ter sequestrado, assaltado uma das suas casas em Portugal e de se ter apropriado de milhões de dólares.
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O major Pedro Lussati, condenado em novembro de 2022 pelos crimes de abuso de peculato, fraude no transporte de moeda e branqueamento de capitais, acusa o diretor dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE) angolano, general Fernando Garcia Miala, de crimes de "abuso de poder, sequestro e roubo".
O oficial das Forças Armadas Angolanas (FAA), em carta enviada à presidente da Assembleia Nacional e a que a Lusa teve hoje (25.07) acesso, acusa também o diretor do SINSE dos crimes de "extorsão, denúncia caluniosa, prevaricação e obstrução à justiça".
Pedro Lussati, que pertencia à Casa de Segurança do Presidente da República de Angola e condenado em primeira instância a 14 anos de prisão, pena agora reduzida para 12 anos, atribui ainda ao diretor do SINSE as declarações, segundo as quais, "o seu dinheiro está com o Presidente [da República] João Lourenço".
Na missiva com 20 páginas, remetida ao gabinete de Carolina Cerqueira, Lussati diz ter sido falsamente acusado por 11 crimes, "por denúncia caluniosa" de Fernando Garcia Miala, que o terá mantido em "cárcere privado, após várias tentativas de assassinato".
Major pede investigação ao Parlamento
"No que respeita aos factos ora imputados a Fernando Garcia Miala, o denunciante não faz qualquer participação direta ao Ministério Público (MP). Espera que seja o parlamento a fazê-lo, por se tratar de crimes públicos, cometidos por agentes públicos, no exercício de funções públicas", lê-se na carta.
Pedro Lussati sugere aos deputados uma fiscalização parlamentar da legalidade dos atos do diretor do SINSE, associados à privação da sua liberdade e ao esbulho dos seus bens, a realização de audições e interpelações parlamentares para determinar se os factos imputados ao denunciado configuram ou não crimes de violação da Constituição que atentam contra o Estado democrático de Direito.
Roubo de dinheiro, viaturas e mercadoria
O major angolano conta que cidadãos angolanos, alegadamente ligados ao diretor do SINSE, terão assaltado, em 14 de fevereiro de 2021, uma das suas propriedades em Odivelas, arredores da capital lisboeta, e, na sequência, roubado toda a mercadoria.
Em maio de 2021, prossegue, os mesmos indivíduos "arrombaram e assaltaram" quatro imóveis seus em Luanda, onde "roubaram ativos monetários avultados".
"Roubaram até 23 viaturas do [seu] parque automóvel, enquanto esquadrões da morte tinham missões para matar o denunciante onde quer que o encontrassem", escreve o major angolano, referindo que os "bens roubados" em Odivelas e em Luanda foram exibidos na "reportagem da Televisão Pública de Angola denominada 'Operação Caranguejo' [transmitida em 2021] com falsas narrativas".
Lussati afirma igualmente ter sido vítima de vários crimes contra a liberdade das pessoas, nomeadamente sequestro, coação grave, tomada de refém, prevaricação, tortura e cárcere privado entre 13 de maio e 27 de junho de 2021.
Afirma ainda que no decurso dos "assaltos", o general Fernando Garcia Miala terá encontrado "ativos monetários no valor de 80 milhões de dólares [72,5 milhões de euros] e reportou apenas ao Estado (angolano) 10 milhões de dólares [9 milhões de euros]".
"Logo, apropriou-se de 70 milhões de dólares [63,4 milhões de euros] em dinheiro, mais cerca de 40 milhões de dólares [36,2 milhões de euros] em mercadorias do assalto em Odivelas. Há relatos de que Fernando Garcia Miala está a utilizar o produto do roubo em Angola para comprar ativos imobiliários em Portugal, através do seu genro e familiares ali residentes", aponta.
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Queixa a João Lourenço
Para "legitimar o roubo, Fernando Garcia Miala", diz Pedro Lussati, "praticou os crimes de sequestro, extorsão, denúncia caluniosa e prevaricação em coautoria com um magistrado do MP e com o então diretor geral adjunto do Serviço de Investigação Criminal".
"Tendo criado uma narrativa fraudulenta para subverter a justiça, por via de um julgamento baseado em documentos forjados e não vinculado a critérios de legalidade e objetividade, e que, por isso, não pode e nunca poderá ser considerado justo nem conforme", sustentou o major angolano, recluso no Hospital Prisão de São Paulo, em Luanda.
O major angolano das FAA realça também, nesta carta datada do passado dia 13 de julho, que dada a "gravidade dos factos acima e do seu impacto ao bom nome, reputação e imagem" do Presidente angolano, João Lourenço, exerceu já o direito de "apresentar queixa ao chefe de Estado angolano, superior hierárquico do chefe de secreta".
A condenação de Lussati
Pedro Lussati foi condenado, a 10 de novembro de 2022, a 14 anos de prisão e 100 dias de multa pelos crimes de peculato, fraude no transporte de moeda e branqueamento de capitais.
Segundo o juiz, ficou provado, em sede de julgamento, que Pedro Lussati cometeu os crimes de peculato, por adulterar folhas de salário da Casa de Segurança do Presidente da República de Angola.
O caso envolveu 49 arguidos, incluindo altas patentes militares e civis, supostamente envolvidos no desvio de milhões de dólares através de um esquema fraudulento de pagamentos de salários inflacionados e a funcionários "fantasma".
A pena de Pedro Lussati foi reduzida dois anos, disse este mês à Lusa o seu advogado, Francisco Muteka, manifestando insatisfeito pela decisão e garantindo recorrer ao Tribunal Supremo.
"Não estou satisfeito", afirmou o causídico, acrescentando que não houve alterações substanciais sobre matérias de prova e outros documentos juntos aos autos.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.