Agostinho Sicatu, diretor do Centro de Debates e Estudos Académicos de Angola, considera que o caso de Pedro Lussati pode beliscar João Lourenço. Analista diz ainda que o julgamento pode dividir o MPLA.
Em junho do ano passado, a chamada "Operação Caranguejo" desmantelou um esquema que envolvia pagamentos fraudulentos a partir da folha salarial da Casa de Segurança do Presidente da República, e através do qual terão sido desviados do erário público 62 milhões de dólares (cerca de 59 milhões de euros).
O "megaprocesso" acontece a poucos meses das esperadas eleições angolanas de 2022. Agostinho Sicatu, diretor do Centro de Debates e Estudos Académicos de Angola, considera que este julgamento pode ser interpretado como uma "demonstração clara de que até há figuras da Casa do Presidente da República que também podem ir parar às barras do tribunal".
DW África: Qual é a implicação do julgamento do major Lussati a poucos meses das eleições? Acredita que poderá influenciar o rumo das eleições de 2022 em Angola?
Agostinho Sicatu (AS): De modo estratégico, interessa a quem governa credibilizar o processo de combate à corrupção neste momento, para fazer a demonstração clara de que até há figuras da Casa do Presidente da República que também podem ir parar às barras do tribunal. Este julgamento pode ser interpretado nessa perspetiva, não tanto na perspetiva concreta de se fazer justiça, porque nesta altura toda a atenção dos cidadãos está virada para o processo eleitoral, para as eleições, que acontecem dentro de dois meses. Este é, de facto, um caso um pouco inédito, porque é exatamente dentro da casa do próprio Presidente da República. Por um lado, mexeu na estrutura da Casa do Presidente da República, mas por outro lado o Major Lussati é tido apenas como uma peça menor, portanto foi apenas um testa de ferro. De modo que, as figuras principais responsáveis por estes crimes não aparecem no banco dos réus.
DW África: E porquê?
AS: Não é possível, nos montantes em que se fala e com as transações que se fez, uma individualidade com a patente que ostenta, apenas de major, ter acesso a tanto dinheiro e ter acesso a todos os mecanismos legais. O dinheiro foi transacionado por via bancária e, portanto, os bancos têm procedimentos próprios e isso só poderia acontecer por um esquema bem orquestrado. Não poderia ser um major daquele nível. Há situações em que exigem mesmo autorizações de altos dirigentes. O próprio Presidente da República terá de se pronunciar [sobre o caso], terá de dizer alguma coisa.
DW África: O senhor mencionou a instrumentalização, por assim dizer, deste julgamento, como se fosse uma retoma da caça às bruxas. Mas, por outro lado, estas também são figuras muito próximas ao Governo. Independentemente da decisão da Justiça no julgamento do major Lussati, o caso pode arranhar a imagem de João Lourenço e do MPLA?
AS: Poderá beliscar a imagem do Presidente, fundamentalmente a nível interno, porque estes casos vão dividindo. Este caso poderá trazer novamente aquela luta interna que dividiu o partido nos anos de 2017, 2018 e 2019. Nós estamos num período bastante sensível, em que o anterior Presidente está doente. Encontra-se no exterior do país, num estado de saúde crítico. Ora, essas pessoas que são objeto de investigação são próximas ao anterior Presidente e algumas também próximas ao atual Presidente. Qualquer mexida nessa estrutura vai comprometer a imagem do atual Presidente. Vai criar uma crispação.
DW África: Acredita que este caso representa a imparcialidade da Justiça angolana?
AS: Não, não representa. Este caso é um passo para a frente, mas não é a condição principal da separação do poder executivo do poder judicial, porque aqui andam mesmo casados.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
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Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
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Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
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Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
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Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
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Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
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Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.