Estudantes, encarregados de educação e ativistas angolanos saíram à rua (26.01) para repudiar a cobrança da “gasosa” no ato das matrículas. Polícia usou cães e dispersou manifestantes. Houve detidos, depois libertados.
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Felix Gouveia é encarregado de educação e aderiu à marcha. Ele vive no município do Kilamaba Kiaxe, na capital angolana. O ano letivo 2018/2019 abre oficialmente dia 31 de janeiro, mas o seu filho não vai estudar porque não pagou a famosa "gasosa”, ou seja, suborno.
E Gouveia conta a sua história: "Fui fazer a matrícula do meu filho, quando cheguei lá a diretora disse que não havia vaga. Quando saía o segurança mandou falar com a diretora pedagógica e ela disse que "as vagas que temos aqui na APC” são só para quem tiver dinheiro para pagar. Eu disse que não poderia pagar porque sou desempregado. Onde vou encontrar dez mil kwanzas (cerca de 50 euros) para o meu filho fazer a 2ª classe? O meu filho não vai poder estudar este ano”.
Como ele, muitos manifestantes juntaram-se à marcha desta sexta-feira (26.01.) para repudiar as cobrança ilícitas na escolas da capital angolana. Dezenas de manifestantes concentraram-se no cemitério da Sant´Ana com destino à sede da delegação provincial da Educação de Luanda onde apresentariam as suas preocupações.
Confiança na polícia
À semelhança de outros protestos, os cartazes e cantos não faltaram: "Gasosa é na cantina, na escola é para estudar", gritavam os manifestantes.
Ao longo da marcha a Polícia Nacional tentava interromper a manifestação. Mas os manifestantes gritavam "Violência não, queremos educação".
A marcha decorria de forma pacífica apesar das várias tentativas dos agentes da ordem de impedir a sua continuidade.
Até essa altura, Donito Carlos, um dos organizadores, acreditava que a polícia ía cumprir o seu papel: proteger os manifestantes: "Até ao momento não há vandalismo, ninguém foi agredido, estamos todos na paz como é o nosso objectivo. E acredito que a mesma polícia poderá fazer alguma coisa para que nós possamos andar com a devida proteção."
Polícia ataca com cães
A proteção foi, literalmente, sol de pouca dura porque os cães foram soltos no viaduto que dá acesso à Praça da Independência, apesar da manifestação ser do conhecimento do Governo da Província de Luanda.
E Donito Carlos recorda: "Nós endereçamos uma carta ao Governo Provincial de Luanda."
A circulação rodoviária foi cortada num sentido enquanto permanecia o impasse. Momentos depois, a marcha foi desfeita com detenção de manifestantes à mistura. Os detidos foram libertos depois de algumas horas. Está é a primeira manifestação reprimida pela polícia desde que João Lourenço tomou posse como novo chefe de Estado a 26 de setembro de 2017.
Mas cenários idênticos já se viveram no anterior Governo, recorda Lourenço Ndomboló, um dos manifestantes.
"A prova está aqui. Trocou-se de motorista, mas a viatura continua a mesma", aponta Lourenço Ndomboló.
Angola: Marcha contra corrupção nas escolas é reprimida
Recomeço de manifestações?
Esta é a segunda manifestação em menos de seis dias. Na segunda-feira (22.01.), vários candidatos do Instituto Médio de Saúde (IMS) protestaram contra a cobrança e escassez de vagas naquela instituição. Na quarta-feira (24.01.), os mesmos estudantes reuniram-se com o delegado do Gabinete de Educação de Luanda, André Soma sob mediação do Conselho Provincial da Juventude (CPJ).
Mas o grupo que marchou nesta sexta-feira (26.01.) diz que os alunos que se reuniram com os governante foram manipulados.
Isaías Kalunga responsável do CPJ em Luanda, nega as acusações e explica que "existem os estudantes do IMS, mais de oitocentos, que já estão inscritos neste momento e há o atual grupo que também reivindica o direito de ter acesso ao sistema de ensino. Ninguém está a coartar este direito."
E o responsável do CPJ alerta: "Mas outros grupos poderão também aparecer e acho que existe uma via para a resolução desta questão."
Artivismo: a arte política de André de Castro
O papel político da arte é o mote de "Liberdade Já", a exposição do artista brasileiro André de Castro que lembra, entre outros ativistas, os presos políticos angolanos.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
"Liberdade Já" em serigrafia
A arte pode ter uma missão política - é o que prova esta exposição de André de Castro, a primeira mostra a solo do artista visual brasileiro na Europa. Este primeiro painel à entrada da exposição, em Lisboa, é um tributo aos presos políticos angolanos. O autor deu-lhe o título de "Liberdade Já", slogan que alimentou o movimento de solidariedade internacional pela libertação dos ativistas.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
Debate sobre política internacional
Tanto este projeto "Liberdade Já" (2015) como "Movimentos" (2013-2014) tiveram repercussão mundial. O artista brasileiro destaca, através das suas obras, os jovens presos políticos de Angola, libertados em 2016. As suas imagens acabam por incentivar o debate sobre acontecimentos políticos internacionais.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Os "revús" compõem o painel…
O artista compõe o painel com "monoprints" em serigrafias repetidas. Aqui podem ver-se alguns dos jovens angolanos presos em Luanda, em 2015, por discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Nuno Álvaro Dala, Nito Alves, Benedito Jeremias e Nelson Dibango, entre outros, foram julgados pelo crime de atos preparatórios para a prática de rebelião.
Foto: DW/J. Carlos
… e multiplicam-se pelo mundo digital
O luso-angolano Luaty Beirão foi escolhido como símbolo do ativismo político, dando força à exposição, com a curadoria da Muxima. Os retratos multiplicaram-se no mundo digital, foram reproduzidos em t-shirts e posters. A venda das serigrafias expostas em mostras coletivas em Lisboa e Nova Iorque, em 2016, reverteu integralmente a favor das famílias dos presos políticos angolanos.
Foto: DW/J. Carlos
Além de Angola...
Em dezembro, André de Castro comemorou com as irmãs a abertura da exposição em Lisboa, que também apresenta rostos de ativistas como José Marcos Mavungo, advogado e ativista de Cabinda. Além de Angola, o artista desafia os visitantes a revisitar o movimento da Primavera Árabe. Dá a conhecer as pessoas e as suas lutas, propondo um ângulo mais pessoal e humano na narração do momento histórico.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Arte como ator social
No interesse do público e das comunidades, o artista brasileiro assume ser um promotor social. "Ao expor 'Movimentos' e 'Liberdade Já' juntos, a mostra permite um recorte da arte como ator social, questionando intenção, receção, apropriação e estética nas ruas e na internet", afirma André de Castro. É o que mostra a coleção "Movimentos", colocada na outra parede da sala.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Coragem para mudar o mundo
Nesta segunda parede, André de Castro imortaliza várias causas em diversas partes do mundo. São mulheres e homens que recusam aceitar a forma como são tratados pelos respetivos Estados. Acreditam, tal como o autor da exposição, que o mundo pode ser muito melhor. Por isso, com coragem, decidiram sair à rua.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Identidade política dos manifestantes…
Este primeiro projeto de André de Castro, em 2013, foi selecionado para a 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e visto por mais de 40 mil visitantes, passando por Miami (2013), Nova Iorque (2014) e Brasília (2015). As serigrafias, que resultam de entrevistas realizadas através das redes sociais, retratam as identidades políticas dos manifestantes de diferentes países.
Foto: DW/J. Carlos
… e cultura das manifestações
Através das serigrafias, o artista procurou valorizar a força da ação individual dos manifestantes. Cada participante enviou uma foto de rosto, usando as redes sociais, e respondeu a uma série de perguntas sobre a sua identidade política. Assim, foram criados retratos políticos individuais que, em conjunto, formam uma mini etnografia da cultura material e imaterial das manifestações.
Foto: DW/J. Carlos
Do outro lado do mundo
Em Nova Iorque, no Zuccotti Park, a sugestão original foi ocupar Wall Street, símbolo dos capitais financeiros internacionais. Porque, afinal, foi a especulação de capitais que deu origem à crise que atormentou o mundo há anos. Questiona Daniel Aarão Reis, ao apresentar a exposição: "Como aceitar que os responsáveis não ficassem com o fardo principal das medidas de superação desta mesma crise?"
Foto: DW/J. Carlos
Novos dispositivos de mobilização
A arte política de André de Castro, que também evoca figuras como Ghandi e Martin Luther King, faz lembrar a tradição dos grandes movimentos dos anos 1960, que dispensava partidos e sindicatos. Ao invés disso, surgiram novos dispositivos de mobilização e de ação.
Foto: DW/J. Carlos
Espelho D’ Água valoriza as serigrafias
A exposição, que também será posteriormente exibida no Porto (a norte de Portugal), encontra-se no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa. A calçada deste espaço, tipicamente portuguesa, foi construída com base numa obra do autodidata artista plástico angolano, Yonamine, que tem vivido em diversos países de África, Europa e América do Sul.