Congelamento salarial afeta milhares de famílias em Angola
Adolfo Guerra (Menongue)
15 de novembro de 2021
Mais de 12 mil funcionários da Casa de Segurança do Presidente da República estarão sem salário há quatro meses. Estima-se que impasse afete quase 70 mil pessoas e muitas famílias já denunciam situação de fome.
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Mais de 20 integrantes da Unidade de Segurança do Presidente da República, João Lourenço, foram presos no âmbito da Operação Caranguejo, liderada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Durante a operação, foram encontradas avultadas somas de dinheiro num contentor na província angolana do Cuando Cubango.
As irregularidades levantadas pela operação envolviam Pedro Lussaty, major da Unidade da Guarda Presidencial. Manuel Correia, comandante provincial da Casa de Segurança do Presidente da República, e Atanásio Lucas José, presidente do Cuando Cubango Futebol Club, estão entre os detidos por suspeita de peculato, retenção de moedas e associação criminosa.
Quatro meses depois, cerca de 12 mil efetivos ligados à Casa de Segurança do Presidente da República de Angola em Luanda, Kwanza Norte e Cuando Cubango permanecem com as contas congeladas e sem salário. O drama afeta um universo de mais de 70 mil pessoas.
"Desde que começámos a ser cadastrados no mês de julho nunca mais tivemos os salários e as contas estão cativas", disse à DW África um funcionário que pediu anonimato.
"Nós somos pais de família, pedimos que se venham pronunciar e dar o devido tratamento a estas pessoas porque não são animais. Imagine como esta família fica quatro meses sem salários?", questiona.
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Criminalidade a aumentar?
Outro funcionário, que também não quer ser identificado por temer represálias, informou que muitos dos seus colegas estão a vender as suas residências por estarem em situação de fome.
"Nós temos crianças que tentámos colocar nos colégios, mas foram expulsos por não estarmos a pagar a propina. Estamos a ver que aumenta cada vez mais o índice de delinquência no país", adverte.
Este funcionário confirma que está a passar fome e que a situação de penúria se repete com os seus colegas.
"Somos milhares de pessoas e milhares de famílias. Muitos de nós estamos com uma responsabilidade de dez a quinze pessoas sobre a nossa tutela. Pedimos aos órgãos de direito que cheguem pelo menos até nós e que nos deem um esclarecimento", acrescentou.
Sem salário em plena crise
O sociólogo Ovídio Fernando Tchicala não lamenta a fiscalização feita à Casa de Segurança do Presidente da República, mas pede que os órgãos responsáveis considerem a situação das famílias.
"Deixar nesta altura um pai sem salário torna-se mesmo muito complicado para gerir a família", comenta referindo-se à crise económica associada à pandemia da Covid-19.
"Desde que o país entrou em crise, houve muitos movimentos de greve", relata. "São militares, que por natureza da sua formação, do perfil caracterizado pela obediência e disciplina, são estes que se estão a manifestar, quer dizer que alguma coisa está mal".
A DW África contactou o porta-voz da PGR para saber se o congelamento e falta de salário é parte da investigação para a instrução processual, mas não obteve resposta ao pedido de entrevista.
Angola: Jovens desempregados marcham em Luanda
O elevado índice de desemprego levou os jovens angolanos novamente às ruas. Durante a caminhada de sábado (08.12) os "kunangas", nome atribuído aos desempregados, exigiram políticas para a criação de postos de trabalho.
Foto: DW/B. Ndomba
Caminhar por mais emprego
Onde estão os 500 mil empregos que o Presidente da República, João Lourenço, prometeu durante a campanha eleitoral de 2017? Foi uma das questões colocadas pelos jovens desempregados que marcharam nas ruas de Luanda. A marcha decorreu sob o lema "Emprego é um direito, desemprego marginaliza".
Foto: DW/B. Ndomba
Apoio popular
Populares e vendedores ambulantes apoiaram o protesto deste sábado, que foi também acompanhado pelas forças de segurança. Participaram na marcha algumas associações como o Movimento Estudantil de Angola (MEA) e a Associação Nova Aliança dos Taxistas. Os angolanos que exigem criação de mais postos de trabalho marcharam do Cemitério da Sant Ana até ao Largo das Heroínas, na Avenida Ho Chi Minh.
Foto: DW/B. Ndomba
Níveis alarmantes
O Governo angolano reconhece que o nível de desemprego é preocupante no país. 20% da população em idade ativa está desempregada, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgados no ano passado. Os jovens em Angola são os mais afetados - 46% não têm emprego.
Foto: DW/B. Ndomba
Palavras de ordem
Os manifestantes exibiram vários cartazes com mensagens dirigidas ao Presidente e ao Governo: "João Lourenço mentiroso, onde estão os 500 mil empregos?", "Ser cobrador de táxi não é minha vontade" e "Por kunangar perdi respeito em casa”, foram algumas das questões levantadas.
Foto: DW/B. Ndomba
Estágios, inclusão e subsídios
Além de empregos, os manifestantes exigem políticas de estágio - para que os recém formados tenham a experiência exigida pelas empresas – e programas que beneficiem pessoas com deficiência física. Este sábado, pediram também ao Governo que atribua subsídio de desemprego aos angolanos que não trabalham.
Foto: DW/B. Ndomba
Sem perspetivas de trabalho
O índice do desemprego piorou com a crise económica e financeira em Angola, desde 2015. O preço do crude caiu no mercado internacional, e, como o país está dependente das exportações de petróleo, entraram menos divisas. Muitas empresas foram obrigadas a fechar as portas e milhares de cidadãos ficaram desempregados.
Foto: DW/B. Ndomba
Formados e desempregados
Entre os manifestantes ouvidos pela DW África em Luanda, histórias como a de Joice Zau, técnica de refinação de petróleo, repetem-se. Concluiu a sua formação em 2015 e, desde então, não teve quaisquer oportunidades de emprego: "Já entreguei currículos em várias empresas no ramo petrolífero e nunca fui convocada", conta. Gostaria de continuar a estudar, mas, sem emprego, são muitas as dificuldades.
Foto: DW/B. Ndomba
É preciso fazer mais
Para a ativista Cecília Quitomebe, o Executivo está a "trabalhar pouco para aquilo que é o acesso ao emprego para os jovens". No final da marcha, a organização leu um "manifesto" lembrando que a contestação à política de João Lourenço começou a 21 de julho, quando o mesmo grupo de jovens exigiu mais políticas de emprego. Na altura, a marcha realizou-se em seis cidades. Este sábado, ocorreu em 12.