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Angola: Mortes em Cafunfo foram "crime de Estado", diz ONG

André Crujo
14 de dezembro de 2021

O Observatório para Coesão Social e Justiça dá conta de 100 mortes nos confrontos, em janeiro, entre a polícia e manifestantes, número que supera "de longe" os dados oficiais. Entidade acusa Governo de "sonegar factos".

Ativistas na Lunda Norte protestam contra MPLAFoto: Borralho Ndomba/DW

O relatório do Observatório para Coesão Social e Justiça sobre as mortes em Cafunfo foi apresentado na sexta-feira passada (10.12), em Luanda, e dá conta de 100 mortes, um número que supera largamente os relatórios oficiais. A redação do documento levou oito meses e o presidente da ONG, Zola Bambi, pretende fazer a sua publicação completa até quarta-feira (15.12)

Na opinião de Bambi, as ações observadas representam "um crime de Estado" e não há dúvidas da existência de mais vítimas do que as já identificadas.

A ONG concluiu que mais de 100 pessoas morreram, 28 ficaram feridas e mais de 30 foram detidas, no incidente ocorrido na província da Lunda Norte, em janeiro passado.

Lunda Norte foi palco de confrontos violentos

DW África: Como é que os números dos mortos foram apurados?

Zola Bambi (ZB): Primeiro, confirmando aquilo que foi dito pelas testemunhas, sobretudo, pelos sobreviventes. Deram-nos informações e sabemos que nessas situações é necessário que a informação seja realmente coerente e precisa. Todo o relatório é praticamente uma acusação. Foi necessário confirmar a existência dessas pessoas, se existiram ou não e onde é que se encontram neste momento. Deste modo, tivemos de visitar familiares, sobretudo fazer entrevistas com viúvas, parentes chegados, órfãos e saber realmente se havia alguns indícios destas pessoas, como documentos, fotografias, entre outros. Foi deste modo que tivemos a certeza dos nomes e que as pessoas existiram mesmo e que o nosso trabalho consistia em entregar algo verdadeiro e que não era baseado em presunções.

Manifestantes fizeram um protesto em Luanda em fevereiro contra o massacre em CafunfoFoto: Borralho Ndomba/DW

DW África: Quais são as conclusões mais importantes do relatório?

ZB: Que o nosso relatório foi diametralmente oposto aos resultados que foram apresentados nas informações oficiais emitidas durante setembro. Resumindo, as conclusões e as informações que foram transmitidas pela Polícia Nacional não são verídicas. O número de mortos apresentado não corresponde, de longe, ao que foi constatado por nós e não há dúvida que o número poderia ainda crescer. Nós conseguimos demonstrar que há mais de 100 mortos e esses mortos no nosso relatório estão todos bem identificados. Não havia mesmo motivos para a chacina, não era justificável porque não houve, ao nosso perceber, depois de analisarmos a situação, uma rebelião armada. Então, não poderia haver uma resposta daquela medida e também foi do conhecimento do público o parecer de certos dirigentes que dizem que a atitude foi desproporcional. Por outro lado, trata-se mesmo de um crime a forma como estas pessoas perderam as vidas: foram executadas. Nós consideramos estar na presença de um crime de Estado.

Ativistas acusam MPLA de serem "assassinos" na Lunda NorteFoto: Borralho Ndomba/DW

DW África: Como é que descreveria a postura do Estado antes e após os confrontos?

ZB: Durante o incidente, o que se veiculou foi que se tratava de um bando de terroristas apoiados por forças estrangeiras que queriam apoderar-se do país. Como saiu no nosso relatório, foi claro que havia uma simples manifestação e que não foi espontânea e nem foi a primeira. Poderíamos dizer, sem nenhum rodeio, que a atuação do Estado foi de sonegar os factos. A atuação das forças de segurança apoiadas por algumas milícias foi algo arquitetado antecipadamente porque até os anúncios nas ruas diziam que as pessoas não deviam sair, senão iam perder as vidas.

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