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Angola: "MPLA deveria renovar-se", diz histórico do partido

6 de dezembro de 2021

Se não houver liberdade de expressão e alternância dentro do MPLA, o partido morre", entende Jorge Pessoa, histórico do MPLA e criador da Polícia Militar das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA).

Angola | Straßen mit der MPLA-Flaggen vor dem MPLA-Parteitag
Foto: N. Camuto/DW

Em vésperas do oitavo Congresso ordinário do MPLA, que se realiza entre os dias 9 e 11 de dezembro, Jorge Pessoa, ex-comandante das Forças Armadas Angolanas, disse à DW que o partido devia renovar-se e abrir-se ao debate interno. 

É com preocupação que Jorge Pessoa avalia as lutas internas no seio do MPLA, partido que governa Angola, e a tentativa da formação em ofuscar outras propostas alternativas para a liderança, agora centrada no Presidente angolano, João Lourenço, que concorre à sua própria sucessão por indicação do Bureau Político. "Muita gente lutou contra isso", afirma este veterano da luta de libertação, que considera que a democracia está em causa.

"Na democracia não é assim. Mas isto institucionalizou-se. Portanto, hoje o MPLA tem o poder de, efetivamente, nomear o seu candidato. Não poderá haver mais nenhum candidato, como por exemplo António Venâncio, que é uma pessoa séria, um técnico, etc.. Deviam poder concorrer dezenas de pessoas. Isso é que era bonito. Portanto, eu vejo [isso] com muita preocupação porque [o que] deveria haver era debates", lamenta. 

"MPLA tem que dar realmente uma prova de democracia"

Pessoa aplaude António Venâncio pela sua coragem. "Coragem que outros não têm" por estarem "cooptados pelo sistema que, certamente, lhes beneficiou", acrescenta.

Jorge PessoaFoto: Joao Carlos/DW

E tem as suas desconfianças: "Se calhar não podem [ser candidatos] porque acham que têm rabo de palha, também receberam envelopes, também se calhar roubaram; outros têm o seu trabalho e os seus filhos já têm netos, e não se querem meter e é assim que os regimes se perpetuam".

Se considera que devia haver mais candidatos, também assume que impunha-se antes uma revisão dos estatutos, porque quem manda no partido é o Bureau Político, com o assentimento do Comité Central.

"Ora, o Comité Central quem são? São à volta de 100 pessoas que, efetivamente, nunca houve história que fossem contra uma decisão do presidente ou do Bureau Político do partido", entende para depois prever: "Portanto, é muito difícil haver um volte face dentro do partido enquanto for assim. Tem que haver uma alteração não só dos estatutos do partido e, principalmente, da Constituição".

Nacionalista desde a década de 1960, Jorge Pessoa diz que no seu partido os militantes não podem dizer o que pensam. Mas propõe, com o desgaste do poder, a corrupção e a fome, que o MPLA deveria renovar-se.

"Renovar são as ideias postas em prática. Portanto, o MPLA tem que dar realmente uma prova de democracia. Só com um candidato, o MPLA pode sofrer uma grande derrota".

Congresso oportunidade para reconciliação

O ex-militar angolano, que antes foi furriel no exército português, diz que cresceu no MPLA e que entrou em rota de colisão com o partido por discordar da nomeação do filho de José Eduardo dos Santos para dirigir o Fundo Soberano de Angola.

"O José Eduardo quis, realmente, criar uma elite financeira para desenvolver o país. Só que essa elite financeira, grande parte dela, em lugar de desenvolver a indústria e o comércio angolanos roubaram o dinheiro", acusa.

Manuel Dias dos SantosFoto: DW/J. Carlos

Para o sociólogo angolano, Manuel Dias dos Santos, o Congresso do MPLA, marcado para os dias 9 a 11 deste mês, pode transformar-se numa antecâmara para a Congresso das diversas tendências que se digladiam no seio do partido. Considera, por outro lado, que não faz parte do plano do MPLA ser oposição. 

"O MPLA, nesse congresso, vai procurar reconciliar toda essa manta de retalho que ela sempre foi. (…) No meu ponto de vista, o MPLA não pensa  se as eleições correram mal virar oposição. O MPLA não tem isso como plano B.

Contínuos obstáculos

"Isso não significa que há unanimidade dentro do MPLA", admite o analista, ligado à Plataforma de Reflexão Angola, para quem o drama tem sido a manutenção do poder como forma de controlar os recursos do país. Daí que o partido não aceita alternativas para a sua liderança – acrescenta em alusão à fustigada pré-candidatura de António Venâncio, que quis concorrer contra João Lourenço.

"É normal e é natural um partido ter mais do que um candidato. Obviamente que numa disputa João Lourenço venceria. Só que esse precedente que se criou dentro do MPLA de que as candidaturas têm de ser do chefe e de mais ninguém obviamente tem a ver com esse posicionamento da redistribuição dos recursos. Quem é que distribui os recursos? É o chefe" 

Perspetivando as eleições gerais de 2022, Manuel dos Santos chama atenção previamente para os contínuos obstáculos que estão ser levantados a Adalberto Costa Júnior, potencial candidato da oposição que integra a Frente Patriótica Unida. E questiona, entre outras razões, se a sorte dos obstáculos levantados contra Costa Júnior não vai condicionar profundamente a própria Frente Patriótica Unida.

A Frente Patriótica Unida integra a UNITA, PRA-JA e o Bloco DemocráticoFoto: Borralho Ndomba/DW

Mal estar não terminou

Por outro lado, considera elevada a probabilidade do MPLA continuar no poder, sabendo que o país inteiro é uma fraude.

"O mal-estar que se tem criado até o momento não terminou ainda. Nós vivemos uma situação totalmente fraudulenta", considera Pessoa.

E prevê: "Vai haver imensas exclusões no meio de todo este processo. (…) Então temos no meio de tudo isso grandes probabilidades do MPLA continuar a ser poder".

Mas, Jorge Pessoa gostaria, nas eleições de 2022, que ganhasse uma coligação do MPLA com a UNITA e a Frente Patriótica.

"Ou se salva Angola ou se quer manter o poder pelo poder. Agora para salvar Angola, para dar um rumo de paz e acabar com a fome, isto tem que ser uma frente patriótica de todos os partidos".

Entretanto, para Jorge Pessoa o recente regresso a Angola do ex-Presidente, José Eduardo dos Santos, pode ter várias leituras e significados. Diz que o ex-chefe de Estado tem todo o direito de voltar ao seu país natal, mas não se sabe ao certo se a ala que lhe é próxima no MPLA ou o próprio partido têm alguma intenção de tirar vantagens disso a pensar nas próximas eleições.

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