"Não cederemos a pressões e ameaças", diz João Lourenço
15 de junho de 2019Em Luanda, o relógio marcava 10 horas e 9 minutos quando João Lourenço foi chamado para dirigir-se à tribuna para discursar na abertura do conclave que marca a sua afirmação na liderança do partido no poder em Angola, o Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA), e também o alargamento do seu Comité Central.
Ao tomar a palavra, Lourenço começou o seu discurso por lamentar a ausência do seu antecessor, destacando o papel de José Eduardo dos Santos, "que ao longo de 39 anos, conduziu o MPLA nos momentos bons e maus e hoje é o presidente emérito".
Em seguida, o chefe de Estado e líder do partido respondeu às especulações sobre a volta deste congresso: "o objetivo principal é, sobretudo, o de alargar a composição do Comité Central, de forma a torná-la mais consentânea no atual contexto político e económico de combate à corrupção e a impunidade".
"Camaradas comprometidos"
Para o líder do MPLA, só será possível combater a corrupção com sucesso se a direção do seu partido for reforçada com "camaradas realmente comprometidos com a causa das reformas políticas e económicas em curso no país", que visam criar um verdadeiro Estado democrático e de direito, baseado no primado da lei.
João Lourenço lembrou que o MPLA venceu as eleições tendo como lema de campanha "corrigir o que está mal e melhorar o que está bem". Entretanto, segundo referiu, são palavras muito nobres, bonitas no papel, mas em certa medida difíceis, "mas não impossíveis de torná-las realidade".
"No que diz respeito ao corrigir o que está mal, uma coisa é dizer, é a manifestação de uma intenção, outra coisa é ter a verticalidade moral, a coragem de fazer realmente sem ceder a pressões, chantagens e ou mesmo ameaças", disse.
O também chefe de Estado disse que, no cumprimento das orientações do seu partido, desde muito cedo, o Executivo preocupou-se em tomar medidas de combate à corrupção, de combate aos monopólios e a concentração da riqueza nas mãos de poucos. Como resultado disso, diz João Lourenço, o seu Governo abriu o país ao mundo e hoje há mais acesso aos investimentos.
"Enriquecimento ilícito de uma elite"
Numa intervenção várias vezes interrompida pelos aplausos, Lourenço falou ainda de uma elite muito restrita e muito bem selecionada na base do parentesco, do "amiguismo" e do compadrio e que constituíram conglomerados empresariais com dinheiro público.
"Não é aceitável e não podemos conforma-nos com o facto de se ter chegado ao ponto de colocar empresas públicas, com destaque para Sonangol e a Sodiam, a financiar também alguns desses negócios privados, como se fossem instituições de crédito", apontou.
E parte destes investimentos ditos privados, criados à custa do erário público, o presidente do MPLA diz que foram parar para comunicação social, na banca, na telefonia móvel, entre outros.
Analistas um pouco céticos
Discurso político à parte, analistas estão um pouco céticos e há quem considere quase impossível combater a corrupção com as mesmas pessoas que fizeram parte dos Governos anteriores do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.
Carlos Rosado de Carvalho, professor da Universidade Católica de Angola, diz que, embora se tenha aprovado um conjunto de diplomas legais com vista o combate a corrução para assim atrair investimentos estrangeiro e nacional, a verdade é que o facto de João Lourenço ser um Presidente reativo aos acontecimentos dá a impressão de que tudo continua na mesma.
"Tivemos a situação do consórcio Air Connection Press, tivemos a situação da Telestar, a situação do IVA, quer dizer, nós temos um Presidente da República muito reativo, que reage muito tarde aos acontecimentos", comentou o economista na TV Zimbo, parceira da DW em Angola.
Para o advogado Vicente Pongolo, os desafios do atual Presidente são quase impossíveis de as concretizar por conta da maior parte dos membros do seu Governo. "Há um engajamento pessoal do Presidente Lourenço, mas este desafio é quase impossível, pois a alta corrupção em Angola tem origem no MPLA. A grande parte da corrupção foi engendrada pelo MPLA, daí que para combater este fenómeno é necessário mudar de paradigma e com a introdução de novos elementos na direção do partido no poder", concluiu.
Ausência da família "dos Santos"
Além do antigo chefe de Estado e presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, também não compareceram ao congresso os demais integrantes da família dos Santos, nomeadamente a deputada Tchizé dos Santos, que foi suspensa pelo Comité Central do MPLA desde o início do mês, no âmbito de um processo disciplinar, e o empresário José Filomeno dos Santos – ambos filhos do ex-líder do partido no poder.
Tchizé dos Santos está no exterior e alega razões de segurança, por supostamente estar a ser perseguida pelo Governo de João Lourenço. Entretanto, José Filomeno dos Santos enfrenta um processo judiciário e, neste momento, está sob termo de identidade e residência. O ex-presidente do Fundo Soberano tem interdição de saída do país no processo relacionado com os 500 milhões de dólares, que está em tribunal e aguarda julgamento.
O conclave que vai alargar a sua composição para 497 membros, elegendo 134 novos membros, decorre a porta fechada e deve terminar na noite deste sábado, podendo ainda vir a proceder a alterações no secretariado do Bureau Político, o núcleo duro e órgão de gestão do partido no poder.