Angola: Nada mudou desde a morte de Inocêncio de Matos
Manuel Luamba
11 de novembro de 2021
Assinala-se hoje um ano da morte de Inocêncio de Matos, jovem angolano morto pela polícia quando participava numa manifestação por melhores condições de vida. Até agora nada mudou. Nem foi feita justiça, queixa-se o pai.
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A Avenida Brasil é uma das ruas mais movimentadas de Luanda. O nome resulta de uma telenovela brasileira apresentada pela televisão angolana há décadas. Foi precisamente aqui que "tombou" Inocêncio de Matos, jovem ativista angolano que participava numa manifestação contra o elevado custo de vida. Os protestos ocorreram a 11 de novembro de 2020.
Antes da sua morte, a manifestação foi reprimida pela polícia, com tiros à mistura. Mas os manifestantes pretendendiam chegar ao 1º de Maio, local onde foi proclamada a independência angolana, a 11 de novembro de 1975. O objetivo era fazer passar a mensagem.
Kim de Andrade, um dos ativistas participantes, convidou a DW África a visitar o local onde foi alvejado o jovem. "O Inocêncio e os demais estavam de joelhos clamando para que as autoridades policias parassem com a brutalidade. A palavra de ordem foi: violência não", recorda.
"Enquanto os manifestantes gritavam violência não, um dos polícias sacou a sua arma e disparou mortalmente contra o Inocêncio."
Foi a primeira e única vez que Inocêncio de Matos participou numa manifestação. Saiu para lutar contra as péssimas condições de vida e não mais voltou.
Pai continua à espera de justiça
Um ano depois da sua morte, Alfredo de Matos Inocêncio, pai do jovem, continua à espera que a justiça seja feita. "Até agora nada de justiça foi efetuada após a passagem de um ano do passamento fisíco de Inocêncio", lamenta.
Angola: Tristeza e revolta na despedida de Inocêncio Matos
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O advogado e a justiça não comentam o andamento do processo.
Para se exigir responsabilidade criminal e civil, está agendada uma manifestação para esta quinta-feira (11.11), em Luanda. "Estaremos a homenagear Inocêncio Alberto de Matos, jovem que morreu aos 24 anos", diz Kim de Andrade.
O mês de novembro servirá também para homenagear ativistas como José Patrocínio "Zé Tó", Casimiro "Carbono" e Eunice da Silva Kénia Ymortal, ativista e rapper angolana que morreu esta terça-feira (09.11), em Luanda, vítima de doença.
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Condições de vida não melhoraram
Mas o que mudou com a morte de Inocêncio de Matos, o jovem que clamava por melhores condições de vida? "Nada", responde Kim de Andrade. Há, inclusive pessoas a morrer de fome em Angola.
"A população em geral tem tomado de assalto os contentores de lixo, isto é um índice bastante esclarecedor, por si só, de como o custo de vida está", exemplifica o ativista.
A DW África também se deslocou ao S. Pedro da Barra – zona periférica de Luanda onde Inocêncio morava. Vimos crianças, jovens e adultos num chafariz a lutar por um balde de água potável. A escassos metros da casa do malogrado ficar a adormecida refinaria de Luanda, capital de Angola, país rico em petróleo.
Mural da Cidadania imortaliza defensores dos direitos humanos em Angola
O Mural da Cidadania presta homenagem a defensores dos direitos humanos em Angola, uns vivos, outros já falecidos. Espaço no Mulemba Waxa Ngola, periferia de Luanda, chegou a ser vandalizado, mas já está como novo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Rostos dos direitos humanos
O Mural da Cidadania é uma parede na periferia de Luanda onde se encontram desenhados alguns rostos de cidadãos, uns vivos e outros já falecidos, em gesto de homenagem aos defensores dos direitos humanos em Angola. Localizado no Mulemba Waxa Ngola, o espaço foi recentemente vandalizado por desconhecidos. Ativistas deslocaram-se, entretanto, ao local para proceder à limpeza do espaço.
Foto: Manuel Luamba/DW
Padre Pio Wakussanga
O padre católico Pio Wakussanga, responsável pela ONG Construindo Comunidades, é um dos rostos do Mural da Cidadania. Wakussanga é uma das vozes mais sonantes na luta contra a fome na região dos Gambos, na província da Huíla, onde a população é fortemente assolada pela fome e pela estiagem. Também tem estado a denunciar fazendeiros que desalojam camponeses na região.
Foto: Manuel Luamba/DW
José Patrocínio
Nasceu em dezembro de 1962 em Benguela e morreu em 2019, aos 57 anos. Fundador da ONG Omunga, José Patrocínio foi um dos mais conhecidos ativistas cívicos na luta pela proteção, promoção e divulgação dos direitos humanos em Angola. No dia da sua morte, a sociedade descreveu-o como um "grande combatente dos direitos humanos".
Foto: Manuel Luamba/DW
Carbono Casimiro
Dionísio Gonçalves Casimiro, também conhecido por "Boneira", foi um rapper e ativista angolano e um dos pioneiros e principais rostos das manifestações de rua que começaram em 2011, inspiradas na "Primavera Árabe", e que visavam lutar contra as más políticas públicas do Presidente José Eduardo dos Santos. Foi preso várias vezes pela polícia angolana. Morreu em 2019, vítima de doença.
Foto: Manuel Luamba/DW
Sizaltina Cutaia
É um dos principais rostos da luta pelos direitos das mulheres em Angola. A ativista é uma das mentoras da Ondjango Feminista e uma dos responsáveis da ONG Open Society. É conhecida pelas críticas contra a anterior e a atual governação. Comentadora do programa da Televisão Pública de Angola (TPA), Sizaltina Cutaia tem criticado os titulares de cargos públicos que desviaram fundos públicos.
Foto: Manuel Luamba/DW
Rafael Marques
O jornalista e ativista cívico angolano tornou-se conhecido pelas denúncias de corrupção no seu site Maka Angola, durante a governação do Presidente José Eduardo dos Santos. Foi muitas vezes levado às barras do tribunal. A entrada de Rafael Marques na lista de homenageados do Mural da Cidadania gerou controvérsia por, neste momento, estar supostamente mais próximo do atual governo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Inocêncio de Matos
O estudante universitário Inocêncio de Matos foi morto pela polícia a 11 de novembro de 2020, em Luanda, quando participava, pela primeira vez, num protesto de rua. A sua morte gerou revolta popular e uma onda de indignação na sociedade. É descrito como um "herói do nosso tempo" pelos ativistas, que querem que a antiga Avenida Brasil, onde foi morto, seja baptizada com o seu nome.
Foto: Manuel Luamba/DW
Isaac Pedro "Zbi"
Isaac Pedro "Zbi" é um dos artistas que imortalizou no Mural da Cidadania os feitos de alguns defensores dos direitos humanos. Diz que o monumento da Mulemba Waxa Ngola tem três objetivos: "Valorizar o espaço", um dos poucos que há na periferia, "homenagear as pessoas" que se encontram aqui desenhadas e "tentar fazer perceber as pessoas o que é a arte urbana."
Foto: Manuel Luamba/DW
Hervey Madiba
Hervey Madiba é outro dos mentores da Mural da Cidadania, que foi recentemente vandalizado. O que se fez no espaço "é um exercício de cidadania", diz o co-fundador da Universidade de Hip Hop, que não entende os motivos e promete responsabilizar os autores. No domingo (10.01), começou a ser feita uma recolha de assinaturas para uma petição que será entregue ao Presidente João Lourenço.