É o que diz a oposição angolana, em entrevista à DW. O Presidente João Lourenço nomeou, em meados do mês, a ex-porta-voz da CNE, Júlia Ferreira, para o cargo de juíza conselheira do Tribunal Constitucional.
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Durante o processo eleitoral em Angola, Júlia Ferreira foi fortemente contestada pela oposição e por muitos cidadãos por alegadamente divulgar resultados eleitorais "fabricados". A ex-porta-voz da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) ficou popularmente conhecida pela quantidade de água que bebeu enquanto divulgava os resultados.
Félix Miranda, da Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), considera que a nomeação como juíza conselheira do Tribunal Constitucional, este mês, é uma "espécie de pagamento de favores".
"O Presidente da República pecou por nomear alguém que traz consigo uma carga negativa de muitas suspeições", comenta o dirigente do segundo maior partido da oposição.
O deputado Vitorino Nhany, secretário nacional para Assuntos Eleitorais da União Nacional para a Independência de Angola (UNITA), o maior partido da oposição, também acha que se tratou de um presente político.
"A UNITA não vê que ela reúna condições que lhe permitam levar a cabo o trabalho com isenção. A postura dela como porta-voz da Comissão Nacional Eleitoral indicou-nos que esteve do lado de uma das equipas", diz.
É uma prática "recorrente"
Esta situação é recorrente na história dos processos eleitorais em Angola, afirma à DW África Cláudio Fortuna, investigador do recém-criado Centro de Estudos Africanos da Universidade Católica de Angola. Se alguém não é indicado para um tribunal é nomeado para um cargo governamental, diz o académico.
"O antecessor da Dra. Júlia Ferreira também teve um percurso 'premiado'. O Dr. Adão de Almeida, depois de ter sido porta-voz da CNE, foi secretário de Estado e agora é ministro da Administração do Território", refere Fortuna.
Estas práticas "não são novidade", recorda - há outras figuras que também trabalharam em eleições anteriores e alegadamente foram agraciadas com cargos no aparelho do Estado.
"Já tivemos personalidades como Onofre dos Santos e Caetano de Sousa que tiveram uma passagem por esta instituição [CNE] e depois acabaram por ser também juízes do Tribunal Constitucional", diz o investigador.
Nomeação de Júlia Ferreira é "prenda" pré-natalícia
Nova era?
Manuel Aragão é o novo juiz presidente do Tribunal Constitucional. Dele, Vitorino Nhany, deputado da UNITA, espera isenção.
"Esperamos dele uma outra postura. O que nós precisamos é que o órgão seja isento", afirma Nhany. "Mas, independentemente disso, é necessário que possamos evoluir para um tribunal eleitoral, para que se possa dirimir os vários problemas que ocorrem dos processos".
Antes da sua nomeação, Manuel Aragão exercia o cargo de juiz presidente do Tribunal Supremo. Para o investigador Cláudio Fortuna, trata-se, portanto, de "uma espécie de transferência".
"No meu ponto de vista, o atual juiz do Tribunal Constitucional não agirá de forma diferente do anterior", conclui.
Angola vota: Eleições em imagens
Angolanos vão esta quarta-feira (23.08) às urnas escolher o sucessor de José Eduardo dos Santos, Presidente da República desde 1979. Críticas e desejo de mudança marcam eleições gerais de 2017.
Foto: Getty Images/AFP/A. Rogerio
João Lourenço, o sucessor
João Lourenço é o cabeça-de-lista do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), no poder há mais de quatro décadas. Tinha acabado de votar e mostrou o indicador direito marcado com tinta azul quando se ouviu um apelo para que levantasse quatro dedos - o sinal da posição do partido no boletim de voto. Lourenço recusou o pedido.
Foto: Getty Images/AFP/A. Rogerio
Dia histórico
23 de agosto de 2017 já é um dia histórico para a República de Angola. Os mais de nove milhões de angolanos inscritos começaram cedo a escolher o sucessor do atual líder do país, José Eduardo dos Santos, que está no poder desde 1979. O próximo Presidente de Angola é o cabeça-de-lista do partido mais votado.
Foto: Getty Images/AFP/M. Longari
Eleitores prontos
Já por volta das 7 horas da manhã, os eleitores angolanos faziam fila para votar. Em Luanda, o ambiente das assembleias de voto era tranquilo. Entretanto, cidadãos disseram ter dificuldades em localizar as suas assembleias de voto.
Foto: DW/A. Cascais
Eleitores do Huambo
Idalina Salomé, de 26 anos, votou pela primeira vez e apelou aos eleitores que ainda não votaram para exercerem o seu direito de cidadania. Na cidade do Huambo, o correspondente da DW, José Adalberto, diz que os munícipes têm afluído em massa às urnas.
Foto: DW/J.Adalberto
Quartas eleições
Essas são as quartas eleições já realizadas e as segundas nos moldes atuais, com a eleição direta do Parlamento e indireta do Presidente da República. As eleições estão a ser vigiadas por mais de 100 mil agentes de segurança e foi decretada tolerância de ponto em todo o país.
Foto: DW/A. Cascais
Adeus José Eduardo dos Santos
O Presidente cessante, José Eduardo dos Santos, líder do MPLA, partido no poder desde a independência do país, em 1975, votou por volta das 9 horas da manhã na Escola Primária de São José de Clunny, no centro de Luanda. Depois de cerca de quatro décadas, deixará o poder oficialmente após as eleições desta quarta-feira.
Foto: Getty Images/AFP/M. Longari
Samakuva vota no Talatona
O candidato da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o principal partido da oposição, votou na Universidade Óscar Ribas, no município de Talatona, na zona sul de Luanda, onde apelou ao voto do angolanos neste importante dia para a história do país. Isaías Samakuva criticou o processo eleitoral por alegadas "irregularidades".
Foto: Getty Images/AFP/A. Rogerio
Abel Chivukuvuku
Depois de votar, o cabeça-de-lista da Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), Abel Chivukuvuku, pediu às instituições que tutelam o ato eleitoral para que "cumpram com o seu papel"; de modo a que seja possível "festejar um momento que pode ser um novo começo" para Angola.
Foto: picture-alliance/Zuma/L. Fernando
Observadores internacionais
Miguel Trovoada, ex-chefe de Estado são-tomense, lidera a missão de observação eleitoral da CPLP. Já no início da votação, pela manhã, disse à DW que as eleições transcorriam de forma calma.
Foto: DW/J. Carlos
O sistema eleitoral angolano
A Constituição do país, aprovada em 2010, prevê a realização de eleições gerais a cada cinco anos. São eleitos 130 deputados pelo círculo nacional e mais cinco deputados pelos círculos eleitorais de cada uma das 18 províncias do país (somando 90). Ao todo, são 220 deputados da Assembleia Nacional. Já o cabeça-de-lista do partido mais votado é automaticamente eleito Presidente da República.