Escassez de combustíveis gera filas intermináveis, especulação de preços e falta de transporte. Presidente angolano reuniu-se de emergência com equipa económica e concluiu que "faltou diálogo" por parte da Sonangol.
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Os cidadãos começaram a sentir a escassez de combustíveis no domingo (05.05). Passados três dias, a situação tende a piorar, como constatou a DW nalgumas ruas e avenidas de Luanda, onde há pouca circulação de veículos.
No centro e na periferia da capital angolana, há bombas de combustíveis quase vazias, onde só se veem trabalhadores à espera do abastecimento. Nos locais onde há combustíveis, as filas são de perder de vista.
Há quem não consiga abastecer o seu carro, nem mesmo depois de passar horas a fio à espera da sua vez. É o caso do automobilista Francisco José. "A fila que eu ocupei é muito longa e quando chegou a minha vez, o bombeiro disse que não havia gasóleo e eu estou à procura de gasóleo", conta à DW.
Por causa da enchente, o atendimento nas bombas de combustível é difícil. Para além das viaturas e motorizadas que aguardam pelo abastecimento, há também cidadãos com recipientes de 5, 10 e 25 litros na fila. António João, motociclista, mostra-se irritado. "Eles atendem, mas só os de 20 ou 30 bidões e quando pegam nos carros ou motas é só dois ou três. Acho que há aqui negócio", lamenta.
Especulação de preços no mercado informal
Os acusados fazem ouvidos de mercador ao suposto negócio paralelo de combustível. Mas uma coisa é certa: há especulação de preços no mercado informal, diz o mototaxista Precioso Tchinhamu, residente em Luanda. O gasóleo e gasolina custam oficialmente 135 (0,36 euros) e 160 kwanzas (0,43 euros), respetivamente. "Nas ruas a gasolina subiu muito. O litro está a 750 kwanzas (cerca de 2 euros)", conta o taxista.
A especulação de preços não é a única consequência da escassez do produto no mercado. Não há transportes públicos nem táxis nas principais paragens. Para se chegar ao serviço, é o "salve-se quem puder". É assim no período da manhã e no princípio da noite. A quem viaje até em viaturas de mercadoria.
O fornecimento de energia elétrica também já começou a ser afetado. E se o problema não for resolvido a curto prazo, haverá escuridão e produtos básicos como o pão vão subir.
Falta de combustível provoca caos em Angola
Francisco José não entende como um dos maiores produtores e exportadores de petróleo em África permite uma ruptura de stocks. "Nós somos produtores de petróleo há mais de 40 anos, até agora não conseguimos ter uma refinaria boa e grande para dar resposta a essas preocupações. Estamos há três dias assim e até agora não conseguiram resolver", lamenta este cidadão angolano.
Quem já está parado há dois dias é o motoxista Precioso Tchinhamu, que não sabe como vai completar a conta do patrão. "O patrão está a contar os dias. Assim, vou começar a trabalhar mais tarde para conseguir dinheiro ou fico sem nada."
"Boicote" a João Lourenço?
A petrolífera angolana Sonangol aponta a falta de divisas e a dívida com a empresa fornecedora como estando na base da falta de combustíveis em Angola. Esta terça-feira (07.05), o Presidente da República, João Lourenço, chamou a sua equipa económica incluindo a petrolífera estatal Sonangol, para encontrar uma solução para o problema.
Segundo um comunicado da Casa Civil do Presidente, "faltou diálogo e comunicação entre a Sonangol e as diferentes instituições do Estado, o que terá contribuído negativamente no processo de importação de combustível."
A nota acrescenta que já "foram tomadas medidas e mobilizados todos os recursos necessários para a completa estabilização do mercado de abastecimento nos próximos dias." O governo reconhece os constrangimentos criados pela situação e "apela à compreensão dos utentes e da população em geral."
Para o jornalista angolano Ilídio Manuel, há indícios de boicote à governação de João Lourenço. "Esta crise parece ser artificial. Terá sido provocada justamente numa perspetiva de desabonar a imagem da governação do Presidente João Lourenço", diz. "Acho que é um paradoxo que um país que é produtor de petróleo tenha que atravessar ciclicamente essas crises."
Para o analista, das duas uma: "ou há uma crise de gestão por parte nova administração da Sonangol ou há mesmo uma tentativa no sentido de querer sabotar os esforços da nova governação" do Presidente angolano. "Não faz sentido que a própria Sonangol, que no primeiro trimestre apresentou lucro na ordem dos três mil milhões de dólares, um mês depois não tenha dinheiro para pagar combustíveis", argumenta Ilídio Manuel.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".