Nova lei permite que agentes policiais façam investigações ocultando a identidade na investigação de crimes como corrupção ou segurança do Estado. Ativistas angolanos temem efeitos negativos no exercício da cidadania.
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A Lei das Ações Encobertas para Fins de Prevenção e Investigação Criminal entrou em vigor em Angola na segunda-feira (20.04), após publicação no Diário da República. O documento permite que os agentes policiais façam investigações ocultando a sua identidade e missão na investigação de crimes como branqueamento de capitais, segurança do Estado ou corrupção.
No entanto, a organização não-governamental angolana Omunga diz que leis não faltam para combater os crimes de branqueamento de capitais e contra a segurança do Estado em Angola. João Malavindele, coordenador da ONG com sede em Benguela, não esconde a sua preocupação em relação à entrada em vigor desta lei.
"Na medida em que a mesma atenta contra os direitos e as garantias fundamentais consagrados na Constituição da República de Angola. Em Angola o que não falta são leis que regulam esta matéria, temos o Código Penal e a própria lei de branqueamento de capitais a estes dois tipos de crime", afirma Malavindele.
Luta contra a corrupção
Para o ativista cívico angolano Nuno Álvaro Dala, estas leis não só vêm reforçar a "cruzada contra a corrupção" levada a cabo pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder, e pelo Presidente João Lourenço, mas também vidência a ação dos serviços de inteligência.
"Representa a legalização de uma série de práticas que já faziam parte do modo de operar das instituições policiais e, naturalmente, como é evidente dos serviços de inteligência. A infiltração do agente com o objetivo de investigarem uma série de questões à luz do interesse público ou nem tanto não constitui novidade para ninguém”, afirma o ativista.
Ativistas feridos e detidos em protesto em Angola
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Nuno Álvaro Dala lembra a atuação de alguns agentes policiais e dos serviços de inteligência, que alegadamente se filtravam em manifestações de rua, e questiona os interesses. "Não estamos em presença dos mais perigosos ímpetos e agentes que nos mais diversos níveis poderão, a coberto da lei, cometer atrocidades e cumprir agendas que vão além daquilo que é, de facto, o interesse nacional?”, indagou o ativista.
Em relação aos agentes encobertos, João Malavindele considera que a nova lei poderá ter efeitos negativos no exercício da cidadania. "Vai atrapalhar as atividades dos ativistas, embora as organizações como a Omunga não tenham nada para esconder. Sempre primamos pela transparência em todas as nossas ações”, afirma o coordenador da ONG.
Por isso, João Malavindele, deixa uma sugestão ao Estado angolano para melhorar os trabalhos. "Acho que neste momento o Executivo deve preocupar-se em trabalhar na previsão destes crimes com criação de campanhas nos meios de comunicação, de maneira a desencorajar estas práticas”, completa o coordenador da ONG.
O jurista angolano Carlos Viegas entende que o agente "infiltrado” deve apenas cumprir a lei no exercício da sua função. "Ele tem uma protecção legal, pelo que se vai manter no âmbito desta missão, sendo certo que vai ter que respeitar determinados preceitos que são inerentes à atividade que vai desenvolver", afirma o especialista.
As t-shirts do julgamento dos 15+2
O julgamento dos ativistas angolanos acusados de prepararem uma rebelião iniciou na segunda-feira (16.11). Ao mesmo tempo, começou um desfile de t-shirts de protesto, dentro e fora do tribunal. Veja as fotos do processo.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Vai acontecer o que o José Eduardo decidir"
"Vai acontecer o que o José Eduardo decidir. Tudo aqui é um teatro", afirmou o ativista Luaty Beirão no primeiro dia do julgamento. Luaty e outros 16 ativistas são acusados de prepararem uma rebelião contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Defensores dos direitos humanos dizem que o caso tem motivações políticas. Em protesto, um ativista escreveu na farda prisional: "Recluso do Zédu".
Foto: DW/P.B. Ndomba
Presunção da inocência
Outro ativista escreveu na farda prisional "in dubio pro reo [princípio da presunção da inocência]. Nenhuma ditadura impedirá o avanço de uma sociedade para sempre." Ele é um dos 15 jovens detidos desde junho. Até à detenção, os ativistas costumavam encontrar-se aos sábados; um dos tópicos dos debates semanais era o livro "Da Ditadura à Democracia", do académico norte-americano Gene Sharp.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Nova acusação por causa das t-shirts?
À acusação que os ativistas angolanos já enfrentam, de alegados atos preparatórios para uma rebelião, poderá agora somar-se uma outra: a do crime de danos, por escrever frases de intervenção na farda dos serviços prisionais. A informação foi avançada por David Mendes, um dos advogados dos jovens.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Mais t-shirts fora do tribunal
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
#LiberdadeJa
Sem t-shirts feitas para a ocasião, mas com cartazes, houve ainda quem pedisse "liberdade já!" para os ativistas angolanos, no exterior da 14ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda. Essas são também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
Método n.º 159
Luaty Beirão (ao centro) é outro dos 15 jovens detidos desde junho. Ele cumpriu 36 dias de greve de fome em protesto contra o excesso de prisão preventiva dos ativistas. Com a greve de fome de Luaty, o caso ganhou proporções internacionais. Jejuns e greves de fome estão listados no livro "Da Ditadura à Democracia" como o método n.º 159 de "intervenção não violenta".
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Sala de imprensa improvisada
O julgamento dos 15+2 é tido como um dos casos mais mediáticos da história de Angola. No entanto, os jornalistas ficam à porta. O tribunal autorizou-os a estar na sala de audiências para assistir às primeiras horas do julgamento, mas agora só poderão voltar a entrar na fase das alegações finais e na leitura do acórdão. Diplomatas estrangeiros também não puderam entrar.
Foto: DW/P.B. Ndomba
"Momento decisivo"
Estava previsto que o julgamento dos 15+2 terminasse esta sexta-feira, 20 de novembro, mas deverá prolongar-se. Segundo a organização de direitos humanos Human Rights Watch, este caso é um "momento decisivo" para o sistema judicial de Angola: "Os juízes angolanos devem demonstrar independência e não permitir que este julgamento seja manipulado como um instrumento para silenciar as vozes críticas."