Dezenas de pessoas reuniram-se esta quarta-feira (06.07), em Lisboa, para discutir o futuro de Angola. Vários participantes consideram que as eleições de agosto podem ser “um momento de viragem” para o país.
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O encontro, promovido pelas associações não-governamentais Frente Cívica e Transparência e Integridade, contou com a participação de Marcolino Moco, ex-primeiro-ministro de Angola, José Marcos Mavungo, economista, filósofo e ativista dos Direitos Humanos, e Sedrick de Carvalho, jornalista e ativista político do grupo dos 15+2. A iniciativa, que decorreu sob o tema "Angola, Que Futuro?", antecipa as eleições gerais marcadas para 23 de agosto deste ano.
No debate, William Tonet, jornalista angolano, afirmou que "é preciso refundar Angola com base numa Constituição". O também diretor do jornal Folha 8 disse ainda que, na sua opinião, o país é gerido apenas por linhas do constitucionalismo e não por uma Constituição.
Em entrevista à DW, à margem do evento, Marcolino Moco considerou que as próximas eleições constituem uma oportunidade única de mudança geracional em Angola. Afirmando que "o futuro depende sempre daquilo que fizermos agora", o antigo primeiro-ministro de Angola frisa que se têm "perdido várias oportunidades". "Seja qual for o resultado eleitoral teremos novos atores. Aquele que for eleito Presidente [da República] tem muitos poderes. Esperemos que os aproveite no sentido positivo e não no sentido trivial de acumular bens materiais para si e para os seus parentes", acrescenta. Na mesma ocasião, o ex-primeiro ministro angolano lançou o apelo de mobilização para a mudança no país.
Marcos Mavungo, economista e ativista dos Direitos Humanos, também defende a mudança política em Angola, apesar dos obstáculos e práticas do regime no poder que, a seu ver, põem em causa a democracia, minada também pela injustiça e pela corrupção.
06.07.17 Debate eleicoes angolanas em Lisboa - MP3-Mono
Também Sedrick de Carvalho, um dos 17 jovens ativistas presos e julgados pelo regime de Luanda, falou à DW em defesa de uma democracia efetiva. Para o angolano, o facto de o "novo [candidato a] Presidente ser escolhido a dedo por José Eduardo dos Santos” é indicativo de que será "alguém que vai, pelo menos, seguir as marcas do seu antecessor”. Pode-se antever por isso, acrescenta, que "João Lourenço vai agir de forma maldosa, tal como tem agido o seu mentor, digamos, quem o indicou. E, certamente, vão ser anos difíceis para todos. É bom o facto de José Eduardo dos Santos não estar [mais na corrida eleitoral] porque isso também revitaliza as nossas forças para continuar a lutar. Afinal de contas, é possível escorraçar um indivíduo que está há muito tempo no poder".
Segundo João Paulo Batalha, presidente da Transparência e Integridade, o que se pretende com esta iniciativa conjunta, em Lisboa, é "dar uma prova de vitalidade e diversidade da sociedade civil angolana e mostrar que o debate político não é exclusivo dos partidos ou dos candidatos, mas que há expetativas e exigências cívicas para o desenvolvimento de Angola a que os partidos têm de dar resposta".
Momento de viragem
À DW África, Paulo de Morais, presidente da Frente Cívica, um dos promotores deste debate, afirmou que as próximas eleições constituem um momento de viragem para Angola. "Se houver uma capacidade dos angolanos em primeira instância, no momento de votar, provocarem uma mudança votando livremente na força política que entenderem, que leve a que a curto prazo se diminua a corrupção, então no médio e no longo prazo, poderemos vir a ter algum desenvolvimento para Angola e para os angolanos", considerou.
Para este ativista, que se tem batido contra a corrupção tanto em Portugal como em Angola, Portugal é onde se encontram os aliados do sistema corrupto e selvagem angolano. Por isso, defendeu, a corrupção angolana é uma questão que "todos temos de discutir, porque os seus efeitos não têm limites territoriais. Como tal, acrescentou, "a luta contra a corrupção não pode ter fronteiras".
Antes do debate, foi também Paulo de Morais quem fez a apresentação do livro de Wiliam Tonet, "Cartilha do Delegado de Lista". Trata-se de um guia prático para que os delegados das listas candidatas às próximas eleições angolanas possam zelar pela integridade do processo democrático.
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.