Angola: O que trará o ajuste fiscal e cambial em 2018?
Henry-Laur Allik
28 de dezembro de 2017
O Governo angolano anunciou para 2018 "ajustes fiscais e cambiais". O economista Precioso Domingos acredita que com o novo programa haverá um aumento dos preços, mas também alguma estabilidade macro-económica.
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O Programa de Estabilização Macro-económica para 2018, aprovado esta quarta-feira (27.12.) visa, segundo o Governo angolano, "a partir do imediato e de forma efetiva, dar início a um processo de ajuste macroeconómico, do ponto de vista fiscal e cambial". Luanda acrescenta que as políticas dos setores monetário, financeiro e real devem ser conduzidas para o ajustamento fiscal e cambial, bem como para mitigar os efeitos adversos.
A DW África entrevistou o economista angolano Precioso Domingos para perceber o que o novo programa pode trazer.
DW África: Em plena crise económica, será que um aumento da tributação não vai afetar sobretudo os mais pobres?
Precioso Domingos (PD): Do ponto de vista daquilo que afeta as pessoas mais pobres, os impostos indiretos, os impostos sobre o consumo, não acredito que o Governo tenha intenção de alterar isso. Também do ponto de vista do impostoindustrial não acredito. Agora, o que está a ocorrer aqui é também uma organização da Administração Geral Tributária que não está necessariamente a fixar novos impostos, mas simplesmente está agora a arrecadar aquilo que não arrecadava na altura em que o país mergulhava sobre os petrodólares. Portanto, é normal que agora que Angola se depara com a baixa de receitas ao nível do setor petrolífero, agora o próprio Governo já esteja mais interessado em cobrar impostos e eliminar subsídios. É o que está a passar-se aqui em Angola.
Mas evidentemente também tem o seu lado positivo. Se antigamente havia um Governo que não cobrava impostos, ou cobrava menos impostos porque tinha o setor petrolífero e os petrodólares e dava subsídios, evidentemente que o Governo não precisava de governar tão bem. Vai haver muito mais exigências para com o Governo, que agora vai ser obrigado a negociar mais e a ouvir mais a sociedade.
DW África: Houve alguma reforma na administração para garantir que, para além de aumentar a tributação, que é fácil no papel, se garanta também que a coleta se efetue?
PD: Claramente. Esse é outro problema, porque cobrar imposto também não é fácil. E isto vem-se revelando também no incumprimento do próprio Governo em conseguir atingir metas relativamente a certos novos impostos.
DW África: Acha que esse novo programa do Governo vai ajudar a combater a inflação?
Angola: O que trará o ajuste fiscal e cambial em 2018?
PD: Neste momento aumentam as incertezas em relação à inflação. Em 2016, a inflação acumalada foi de 42%, em 2017 já houve uma ligeira redução. Acredito que vamos fechar o ano com uma inflação acumulada de aproximadamente 30%.
Todavia, não nos esqueçamos que esse ajustamento a que o Governo se refere, sobretudo o ajustamento cambial, tem como destaque a desvalorização do kwanza, portanto vai ter de ocorrer. E a desvalorização do kwanza culmina necessariamente com o aumento do preço de certos bens, sendo que em muitos casos é automático. E um deles vais ser certamente o aumento do preço dos combustíveis. Aqui em Angola, até a condição industrial depende ainda de geradores. E evidentemente também vai afetar os transportes, portanto, vai haver um aumento dos preços.
Podemos é falar em alguma estabilidade macro-económica. Estão a acontecer algumas alterações, nomeadamente alguma flexiblização ao nível da taxa de câmbios. O Governo adotou um regime de câmbio fixo e mesmo compatível com uma economia, com um país cujas reservas internacionais líquidas estão em queda livre. Então, o Governo vai ser obrigado a alterar o regime de câmbio, vai ter de pôr alguma flexiblidade, vai torná-lo mais ou menos nisto, no sentido de preservar as reservas internacionais líquidas. E num primeiro momento, no curto prazo, isso vai ter consequências na inflação, mas a médio prazo irá refletir-se na estabilidade macro-económica.
Pobreza no meio da riqueza no sul de Angola
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul do país. A região é assolada por uma seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser pobres neste ano. Muitos angolanos passam fome.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Sobras da guerra civil
A guerra civil (1976 -2002) grassou com particular violência no sul de Angola. Aqui, o Bloco do Leste socialista e o Ocidente da economia de mercado livre conduziram uma das suas guerras por procuração mais sangrentas em África. Ainda hoje se vêm com frequência destroços de tanques. A batalha de Cuito Cuanavale (novembro de 1987 a março de 1988) é considerada uma das maiores do continente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Feridas abertas
O movimento de libertação UNITA tinha o seu baluarte no sul do país, e contava com a assistência do exército da República da África do Sul através do Sudoeste Africano, que é hoje a Namíbia. Muitas aldeias da região foram destruídas. Mais de dez anos após o fim da guerra civil ainda há populares que habitam as ruínas na cidade de Quibala, no sul de Angola.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Subnutrição apesar do crescimento económico
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul. A região sofre de seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser más no ano 2013. Muitos angolanos não têm o suficiente para comer. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) diz que nos últimos anos pelo menos um quarto da população passou fome durante algum tempo ou permanentemente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
O sustento em risco
Dado o longo período de seca, a subnutrição é particularmente acentuada nas províncias do sul de Angola, diz a FAO. As colheitas falham e a sobrevivência do gado está em risco. Uma média de trinta cabeças perece por dia, calcula António Didalelwa, governador da província de Cunene, a mais fortemente afetada. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também acha que a situação é crítica.
Foto: DW/A. Vieira
Semear esperança
A organização de assistência da Igreja Evangélica Alemã “Pão para o Mundo” lançou um apelo para donativos para Angola na sua ação de Advento 2013. Uma parte dos donativos deve ser reencaminhada para a organização parceira local Associação Cristã da Mocidade Regional do Kwanza Sul (ACM-KS). O objetivo é apoiar a agricultura em Pambangala na província de Kwanza Sul.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Rotação de culturas para assegurar mais receitas
Ernesto Cassinda (à esquerda na foto), da organização cristã de assistência ACM-KS, informa um agricultor num campo da comunidade de Pambangala, no sul de Angola sobre novos métodos de cultivo. A ACM-KS aposta sobretudo na rotação de culturas: para além das plantas alimentícias tradicionais como a mandioca e o milho deverão ser cultivados legumes para aumentar a produção e garantir mais receitas.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Receitas adicionais
Para além de uma melhora nas técnicas de cultivo, os agricultores da região também são encorajados a explorar novas fontes de rendimentos. A pequena agricultora Delfina Bento vendeu o excedente da sua colheita e investiu os lucros numa pequena padaria. O pão cozido no forno a lenha é vendido no mercado.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Escolas sem bancos
Formação de adultos na comunidade de Pambangala: geralmente os alunos têm que trazer as cadeiras de plástico de casa. Não é só em Kwanza Sul que as escolas carecem de equipamento. Enquanto isso, a elite de Angola vive no luxo. A revista norte-americana “Forbes” calcula o património da filha do Presidente, Isabel dos Santos, em mais de mil milhões de dólares. Ela é a mulher mais rica de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Investimentos em estádios de luxo
Enquanto em muitas escolas e centros de saúde falta equipamento básico, o Governo investiu mais de dez milhões de euros no estádio "Welvitschia Mirabilis", para o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins 2013, na cidade de Namibe, no sul de Angola. Numa altura em que, segundo a organização católica de assistência “Caritas Angola” dois milhões de pessoas passaram fome no sul do país.
Foto: DW/A. Vieira
Novas estradas para o sul
Apesar dos destroços de tanques ainda visíveis, algo melhorou desde o fim da guerra civil em 2002: as estradas. O que dá a muitos agricultores a oportunidade de venderem os seus produtos noutras regiões. Durante a era colonial portuguesa, o sul de Angola era tido pelo “celeiro” do país e um dos maiores produtores de café de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Um futuro sem sombras da guerra civil
Em Angola, a papa de farinha de milho e mandioca, rica em fécula, chama-se “funje” e é a base da alimentação. As crianças preparam o funje peneirando o milho. Com a ação de donativos de 2013 para a ACM-KS, a “Pão para o Mundo” pretende assegurar que, de futuro, os angolanos no sul tenham sempre o suficiente para comer e não tenham que continuar a viver ensombrados pela guerra civil do passado.