Nas vésperas das eleições em Angola, a DW África foi a bairros limítrofes de Luanda onde vivem milhares de pessoas, vítimas de demolições ou ameaçadas de desalojamento. Como vêem elas o escrutínio de quarta-feira?
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No bairro Zango III, na grande Luanda, há moradores que vivem em desespero: desde 2016, milhares de famílias viram as suas casas destruídas, porque na área onde vivem, numa localização privilegiada, está prevista a instalação de uma "zona económica especial".
Foi no Zango que, há um ano, Rufino António, um adolescente de 14 anos, foi morto a tiro por um militar. No local, o exército escavou valas e erigiu muros e cercos de arame - as populações que insistem em ficar na região vivem praticamente cercadas pelas forças de segurança.
"As entradas existentes são controladas pela tropa, as pessoas que querem ir ao seu bairro têm de passar por um controlo militar. Os camiões que vão lá abastecer as pessoas com água ou comida têm de passar por esses controlos. Sem credencial, não entram", explica André Agusto, coordenador da organização não-governamental SOS Habitat.
Calma durante a campanha
Estima-se que cerca de cinco mil famílias vivem no Zango. Além das demolições, tem havido denúncias de abusos sexuais de mulheres por parte de militares. Os moradores relatam, no entanto, que o período das eleições lhes trouxe algum sossego.
"Deixou de haver aquelas ameaças…", conta João Abílio, um antigo vizinho de Rufino António.
Alguns moradores do Zango III dizem que não vão às urnas, outros afirmam que vão fazer a cruzinha, porque o voto é um dever cívico. Mas todos, sem excepção, mostram-se insatisfeitos com o desempenho dos políticos que os governam atualmente. Abílio teme que os despejos continuem após as eleições gerais de 23 de agosto.
"Estamos a aguardar que as eleições passem, porque a qualquer altura podem obrigar-nos a sair", diz. "Com esta aflição, o povo não se sente satisfeito."
"Nós já estamos aqui há muitos anos, não temos para onde ir", sublinha Conceição António, outra moradora. "Querem tirar-nos daqui com as nossas crianças? Não temos nada. Como vamos sair daqui?"
Boicote às eleições?
No Zango I residem, desde 2009, comunidades de pescadores desalojadas da Ilha de Luanda. Na altura, foram instaladas em tendas, tendo-lhes sido dito que essa era uma solução provisória e, mais tarde, lhes seriam dadas novas casas. Isso nunca aconteceu.
"Aqui não temos nada", denuncia Fernando Pinto, um dos desalojados da ilha de Luanda há oito anos e que se assume como um porta-voz da comunidade. "Não há água - compramos água, o bidão tem sido a 50 a 100 kwanzas [€0,25 a €0,50]. Não há luz. Não há nada. Não há ninguém que assuma a responsabilidade."
Pinto considera que o boicote às eleições gerais de quarta-feira anunciado por alguns eleitores, em sinal de protesto, "não é uma boa ação". Por outro lado, "é necessário que os políticos procedam bem", afirma.
Angola: O voto de quem tem pouco ou nada
"Todo o angolano deve ser encarado pelos políticos como um cidadão. Mas aqui tem sido o contrário. Por isso, pode surgir uma desavença nestas eleições, mas vamos lutar para que isso não aconteça…"
Segundo André Augusto, coordenador da SOS habitat, "quando as pessoas vivem mal, perdem a vontade de todas as coisas. Nesta base é que muitas pessoas estão a pensar em boicotar as eleições. Mas o boicote das eleições não seria a melhor solução."
"As pessoas deveriam ir às urnas e escolher aqueles que acharem que têm políticas capazes de mudarem a vida das pessoas um dia", conclui Augusto.
Pobreza no meio da riqueza no sul de Angola
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul do país. A região é assolada por uma seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser pobres neste ano. Muitos angolanos passam fome.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Sobras da guerra civil
A guerra civil (1976 -2002) grassou com particular violência no sul de Angola. Aqui, o Bloco do Leste socialista e o Ocidente da economia de mercado livre conduziram uma das suas guerras por procuração mais sangrentas em África. Ainda hoje se vêm com frequência destroços de tanques. A batalha de Cuito Cuanavale (novembro de 1987 a março de 1988) é considerada uma das maiores do continente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Feridas abertas
O movimento de libertação UNITA tinha o seu baluarte no sul do país, e contava com a assistência do exército da República da África do Sul através do Sudoeste Africano, que é hoje a Namíbia. Muitas aldeias da região foram destruídas. Mais de dez anos após o fim da guerra civil ainda há populares que habitam as ruínas na cidade de Quibala, no sul de Angola.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Subnutrição apesar do crescimento económico
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul. A região sofre de seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser más no ano 2013. Muitos angolanos não têm o suficiente para comer. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) diz que nos últimos anos pelo menos um quarto da população passou fome durante algum tempo ou permanentemente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
O sustento em risco
Dado o longo período de seca, a subnutrição é particularmente acentuada nas províncias do sul de Angola, diz a FAO. As colheitas falham e a sobrevivência do gado está em risco. Uma média de trinta cabeças perece por dia, calcula António Didalelwa, governador da província de Cunene, a mais fortemente afetada. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também acha que a situação é crítica.
Foto: DW/A. Vieira
Semear esperança
A organização de assistência da Igreja Evangélica Alemã “Pão para o Mundo” lançou um apelo para donativos para Angola na sua ação de Advento 2013. Uma parte dos donativos deve ser reencaminhada para a organização parceira local Associação Cristã da Mocidade Regional do Kwanza Sul (ACM-KS). O objetivo é apoiar a agricultura em Pambangala na província de Kwanza Sul.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Rotação de culturas para assegurar mais receitas
Ernesto Cassinda (à esquerda na foto), da organização cristã de assistência ACM-KS, informa um agricultor num campo da comunidade de Pambangala, no sul de Angola sobre novos métodos de cultivo. A ACM-KS aposta sobretudo na rotação de culturas: para além das plantas alimentícias tradicionais como a mandioca e o milho deverão ser cultivados legumes para aumentar a produção e garantir mais receitas.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Receitas adicionais
Para além de uma melhora nas técnicas de cultivo, os agricultores da região também são encorajados a explorar novas fontes de rendimentos. A pequena agricultora Delfina Bento vendeu o excedente da sua colheita e investiu os lucros numa pequena padaria. O pão cozido no forno a lenha é vendido no mercado.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Escolas sem bancos
Formação de adultos na comunidade de Pambangala: geralmente os alunos têm que trazer as cadeiras de plástico de casa. Não é só em Kwanza Sul que as escolas carecem de equipamento. Enquanto isso, a elite de Angola vive no luxo. A revista norte-americana “Forbes” calcula o património da filha do Presidente, Isabel dos Santos, em mais de mil milhões de dólares. Ela é a mulher mais rica de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Investimentos em estádios de luxo
Enquanto em muitas escolas e centros de saúde falta equipamento básico, o Governo investiu mais de dez milhões de euros no estádio "Welvitschia Mirabilis", para o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins 2013, na cidade de Namibe, no sul de Angola. Numa altura em que, segundo a organização católica de assistência “Caritas Angola” dois milhões de pessoas passaram fome no sul do país.
Foto: DW/A. Vieira
Novas estradas para o sul
Apesar dos destroços de tanques ainda visíveis, algo melhorou desde o fim da guerra civil em 2002: as estradas. O que dá a muitos agricultores a oportunidade de venderem os seus produtos noutras regiões. Durante a era colonial portuguesa, o sul de Angola era tido pelo “celeiro” do país e um dos maiores produtores de café de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Um futuro sem sombras da guerra civil
Em Angola, a papa de farinha de milho e mandioca, rica em fécula, chama-se “funje” e é a base da alimentação. As crianças preparam o funje peneirando o milho. Com a ação de donativos de 2013 para a ACM-KS, a “Pão para o Mundo” pretende assegurar que, de futuro, os angolanos no sul tenham sempre o suficiente para comer e não tenham que continuar a viver ensombrados pela guerra civil do passado.